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  • Ailton Monteiro

Dossiê 14º For Rainbow: Transexualidade Presente

Ailton Monteiro compôs o Júri da Crítica no 14º For Rainbow - Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual e de Gênero. Confira os premiados aqui.

Desyrrê (2020), do Coletivo Documentando

Uma das coisas que mais me saltou aos olhos vendo os filmes selecionados para a 14ª edição do For Rainbow - Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual e de Gênero foi uma maior apresentação do universo das pessoas trans. Tivemos documentários e obras de ficção que trouxeram luz sobre o assunto, de modo a nos fazer entender os seus dramas e nos solidarizar com essas pessoas.


Felizmente estamos em um momento de melhor acolhimento e maior compreensão da história de vida das pessoas trans, por mais que também, paradoxalmente, estejamos vivemos um momento de aumento no número de assassinatos, por parte de grupos de extrema direita.


Mas acredito que a situação já foi pior. Lembremos que na década de 1990, por exemplo, essas pessoas eram bem estranhas para muitos, e alguns filmes, por mais que tratem com respeito seus personagens, traziam um pouco do preconceito incrustado na sociedade. Basta lembrar da cena do vômito de Traídos pelo Desejo (1992), de Neil Jordan, ou da intolerância e da violência brutal em Meninos Não Choram (1999), de Kimberly Pierce. Isso, para citar dois exemplos de personagens trans de gêneros diferentes.


Chegando ao momento presente e aos filmes desta edição do For Rainbow, um dos mais brilhantes trabalhos já feitos sobre o assunto e também um dos que mais trazem emoção é o documentário em longa-metragem Limiar (2020), de Coraci Ruiz. Trata-se de um filme que acompanha a vida de um adolescente trans desde a infância, tendo registros dos primeiros dias de nascimento, inclusive. Como vemos o filme pelo ponto de vista da diretora, a mãe, sentimos um bocado seu desconforto com algumas mudanças que vão se apresentando, mas há também um apoio muito bonito ao filho, que certamente passou, diariamente, por fases muito difíceis, até porque a adolescência não é um momento fácil da vida.


Um outro longa-metragem que chamou a atenção para o tema foi Advento de Maria (2020), de Vinícius Machado. É uma obra que causa um estranhamento do ponto de vista dramatúrgico, pois flerta com o kitsch. Em registro de ficção, acompanhamos a história de um(a) adolescente que está passando por um processo de mudança, de compreensão de sua identidade de gênero. O título do filme faz uma relação direta com o catolicismo, mas representa também o surgimento de uma nova vida. O surgimento de Maria.


Dentre os curtas-metragens, há um documentário bem curioso chamado Itinerâncias de Gênero (2019), de Alexandre Vale, que apresenta uma espécie de "retorno às origens" de pessoas trans. O personagem mais importante do filme é Antônio Neto, que não voltou ao gênero masculino por causa de nenhuma religião. Segundo ele, foi um processo de sua psique; ele já não se sentia tão bem como uma mulher. Há outros personagens, mas Neto é o protagonista. Ele chegou a escrever um livro sobre sua vida, chamado Mel e Fel.


Outro documentário, Desyrrê (2020), do Coletivo Documentando, tem uma estrutura mais tradicional: apresenta um perfil de uma personagem interessante, a Desyrrê do título, uma pessoa que dá duro na vida, trabalhando em um restaurante e fazendo curso técnico de radiografia, além de ter que lutar diariamente para conseguir o respeito das pessoas, até por morar em uma cidade pequena, Triunfo, no interior de Pernambuco. Há uma simplicidade bonita no doc que combina com a personagem retratada.


Mas eu diria que, dos documentários em curta-metragem, o que mais me impressionou foi Homens Invisíveis (2020), de Luís Carlos Alencar, que lida com o tratamento duro que homens trans recebem no sistema prisional. Somos apresentados a muitas histórias impressionantes de pessoas que tiveram sua dignidade destruída na prisão (um deles chega a dizer que passou um ano com a mesma cueca). Há problemas que eu sequer imaginava, como a visita necessária ao ginecologista. O problema da privação do tratamento hormonal já se imagina. Muito bons os personagens entrevistados, mesmo aqueles que preferiram não mostrar o rosto.


Essas obras têm sua força particular e são exemplos de humanismo, de compreensão dos direitos individuais e também são verdadeiras aulas para todos nós. Algumas delas podiam muito bem ser exibidas em escolas ou compartilhadas em grupos familiares, de modo que formemos uma sociedade mais plural, mais amorosa e mais compreensiva.

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