top of page
Arthur Gadelha

15º For Rainbow: olhando para uma história em mutação

Arthur Gadelha compôs o Júri da Crítica do 15º For Rainbow - Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual e de Gênero com Rodrigo Passolargo e Mylla Fox. Confira o prêmio.

Ausência, de Alexia Araujo

Nos curtos 11 minutos do filipino O Homem que Não Está Lá e Outras Histórias de Saudade (2019), de Trishtan Perez, a câmera permanece parada. Dada essa imobilidade, porém, várias pessoas passam por esse plano na intenção de preenchê-lo, acompanhadas ou sozinhas, tentando se encaixar naquele quadrado tão apertado e posam de si mesmos para que seus sorrisos, amores e olhares sejam finalmente capturados pelo flash. Nessa cabine de fotografia, daquelas de parques ou shoppings, a vida se enquadra de forma intima e radiante.


Com um gesto emocionante, esse filme tão simples parece sintetizar muito do ponto de vista que a curadoria do 15º For Rainbow construiu ao longo de cinco dias com longas e curtas-metragens de 11 países, dos EUA às Filipinas, um leque de filmes que celebra as vivências LGBTQI+ mesmo observando traumas e desafios distintos enfrentados nas culturas projetadas na Sala 2 do Cinema do Dragão.


Para anunciar o vencedor do Prêmio da Crítica de Curta-Metragem Time de Dois, de André Santos, o júri que integrei põe como destaque a forma como a história nos testa enquanto espectadores acostumados com as memórias, nossas e do mundo, referentes ao modo como a sociedade impõe “permissões” sobre vivências dissidentes da heteronormatividade. Em Ausência, de Alexia Araujo, o grande conflito é a saudade sufocante de uma paixão; em Park Slope, de Felipe André Silva, o cômico trânsito de um “amor” entre nações; em Baja Come Down, de Anderson Matthew, o iminente fim de um relacionamento lésbico que não tem como estopim qualquer imposição externa.


No outro vencedor da crítica Assim como o Ar, Sempre nos Levantaremos, de Clara Angélica, é claro o grito de resistência diante de um Brasil rendido após as eleições de 2018, e tão alto quanto é a manifestação do carinho. Diretor de Transversais, Émerson Maranhão contou sobre a escolha de não colocar Bolsonaro no seu filme para não o eternizar por cima das distintas vivências de pessoas trans. “Procura-sy travestis vivas vivas vivas no estado do Ceará”, estampou a artista Sy Gomes em outdoors pelos bairros de Fortaleza em 2020, pautando a cidade sobre a marginalização estrutural do espaço urbano e sobre a proposta de um “novo mundo” ressignificando a “memória travesti”. Em certo grau, é a busca que há explicitamente nas intenções e práticas desses filmes.


Claro que, além desse olhar, outros filmes dessa edição observaram mais contradições e violências sobre a forma como essas vidas ocupam a cidade, levando-nos a pensar inclusive sobre as distinções culturais ao redor do mundo. Em A Cidade dos Abismos, de Priscyla Bettim e Renato Coelho, o silenciamento de uma cidade imensa como São Paulo ainda é o norte dos conflitos – e a performance enigmática de Veronica Valenttino contribui principalmente nessa reflexão de existir e persistir. Em Kapana, de 2020, a narrativa objetiva espelha a realidade de um país onde o sexo gay ainda é considerado crime (cenário que, aparentemente, está em curso de mudança neste ano, dada a insistência de grupos locais de diretos humanos). Em Instructions for Survival, de Yana Ugrekhelidze, a condução é mais desoladora no documentário sobre um homem trans da Geórgia que não tem assistência médica ou social de seu país que lhe nega o próprio nome.


Em diferentes pontos de vista, o festival atualiza discussões ainda muito caras à comunidade LGBTQI+ e que caminham ao curso em que as pessoas exigem seus espaços. Como canto de projeção, debate e redescoberta dessas histórias, no cinema e na música, o For Rainbow – Festival da Diversidade Sexual e de Gênero se consolida como parte dessa jornada constante e muito longe de alcançar os objetivos plenos de uma sociedade justa – mais do que nunca, é preciso comemorar que este evento esteja há 15 anos vivo vivo vivo.

 

Arthur Gadelha é presidente da Associação Cearense de Críticos de Cinema - Aceccine, diretor de criação audiovisual no Jornal O Povo e autor do site Ensaio Crítico.


Leia os demais textos do Dossiê aqui


댓글


bottom of page