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Arthur Gadelha

Seguindo Todos os Protocolos (2022): Da graça à angústia, a busca pelo tesão na pandemia

Crítica publicada pelo Autor no Ensaio Crítico

Diante da lógica constatação de que estamos vendo esse mesmo filme repetidas vezes desde que álcool e máscaras se instalaram nas nossas vidas como peças de guarda-roupa, acho que a melhor coisa da estreia de Fábio Leal nos longas é este ser um filme genuinamente engraçado. Mesmo que a pandemia seja o gatilho central, a história desse homem em busca de prazer sexual sem contato faz quase que uma reviravolta em torno daqueles valores que estamos fadados por sentir igual há muito tempo; solidão, melancolia, angústia, ansiedade. Claro, tudo isso ainda há no aperreio de Francisco, mas não na forma como Fábio nos conta. Filmes como O Dia da Posse (2021) e Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental (2021), até tentaram soar desse jeito.


Consciente de seu humor, Seguindo Todos os Protocolos aponta algumas suspeitas ali no prólogo quando interrompe um pornô on-line com um dos tantos alertas do Átila Marinho, mas é mesmo no primeiro longo diálogo que o jogo é posto à mesa. A conversa que Francisco trava à distância com o então ex-namorado, joga-se num humor esperto e sem alardes, mérito principal da atuação de Marcus Curvelo, esse ator-cineasta do fracasso que não poderia estar num personagem mais a cara do seu projeto pessoal de cinema. Sua presença na condução de um texto repleto de ladainhas e absurdos nunca anunciados como tal, inclusive, me lembra a irreverência boba e séria da Alana Azevedo, personagem caótico do Instagram.


Técnica e narrativamente, também há uma boa sacada nessa sequência pela ironia dos ruídos: afinal, discussão via zoom, seja pessoal ou de trabalho, é das várias agonias que muitos de nós passamos a ser obrigados de conviver – aqui, os engasgos na resolução e as falhas de conexão surgem como sintomas óbvios da distância que esses personagens já tinham entre si antes de serem forçados a isso. “Tá falando que nem robô, não tô entendendo nada...”.


São muitos os momentos em que se repetem contrastes ao longo dos encontros que Francisco tem em seguida, mas este também nunca se torna um filme sem compromisso ou alheio à contradição de seu protagonista. Pautando acontecimentos no ritmo de cada novo personagem que surge (ou desaparece), a trama vai alimentando respiros até emocionantes sobre corpo, desejo e tesão, meio que tudo junto na medida do possível.


Consequentemente, e aqui o reaproximo dos demais, Seguindo Todos os Protocolos é também um filme tão planificado que sua condução expõe alguns engasgos e exageros fora de sintonia na relação entre os personagens e suas ações, quase como o Desaprender a Dormir (2021), do Gustavo Vinagre, que aos poucos se rende ao tédio. A duração de 70 minutos, porém, não permite que a saga desse Francisco deixe de ser envolvente com seus vários truques de sexo, dança e música – a fuga ao som psicodélico de Amelinha nos despede da missão com uma sensação gostosa e, neste nosso contexto, inesquecível. Se a pandemia e seus cuidados não vieram de passagem, então que esse “cinema de quarentena” sobreviva, como este filme, bem longe da repetição. Se nos cansar, tudo bem. Precisamos é sentir que vale a pena.


“Sou diretamente a dor que me passeia

A dor que me anseia ser

Particularmente rua

Sou um sol brilhante

De um dia incandescente

Sou luz calor calante

Bruxa de um chão doente”


Santo e Demônio

 

Arthur Gadelha é roteirista do Jornal O Povo, autor do Ensaio Crítico e presidente da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine)

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