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  • Rodrigo Passolargo

Rua Dinorá (2022): Se essa rua fosse minha

Crítica por Rodrigo Passolargo

Dinorá é uma karateca mirim que inicia sua reflexão sobre o mundo através de um entrave diante do nome da rua onde reside. Tais elucidações partiriam da descoberta da história nominal de Padre Mororó, Maria Tomásia ou Brigadeiro Vilela. Ou nos encontros de Antônio Sales com o Senador Virgílio Távora. Ou da diferença entre um Frei e um Padre além deles serem divididos pelo Bady Miguel. Quem sabe aconteceria se Dinorá morasse em uma dessas ruas. Dinorá mora na rua 749 no Conjunto Ceará.


A pequena protagonista, insciente, herda a disparidade histórica fortalezense dos tempos do regime militar, esta que pomposamente clamou o jargão “esse é um país que vai pra frente” e nas extensões de terras do rico senhor Bezerrinha construiu inúmeras casinhas. Expor quantidade era uma propaganda política enquanto afastava seus moradores do Centro e obstruíam os ventos e raios praianos com enormes muros formados pelas costas dos hotéis e edifícios luxuosos. No momento em que o Coronel Adauto Bezerra propagava o feito militar na entrega das casas, seus moradores depararam-se com realidades pouco dignas para chamarem a morada de lar. Falta de saneamento, de iluminação, de pavimentação, de alcance ao serviço público de saúde e tantos outros descasos que persistem como assombro cotidiano da periferia alencarina. Mesmo com melhorias, o abandono é um bosque que se chama solidão.


A inocência de Dinorá em busca de significar a rua 749 como a das colegas do karatê desvenda alguns elos do corpo social. Se por um lado o filme não oportuniza arranhar mais explicitamente o contexto histórico apresentado acima, a outra face da moeda - supondo a intenção - é o próprio significado implícito de tantas ruas que não recebem os Santos Dummont e Leonardos Mota em suas identificações.


A história da capital cearense se preocupa em ladrilhar os bairros nobres com pedrinhas de brilhantes para seus amores passarem. Em paralelo, amontoa e afasta interioranos e nativos, os tratando somente como números. Fortaleza mal sabe que não são somente números. Nesse velado contexto, Dinorá vislumbra que o senso de sua comunidade não diluiu. É quase como se cantarolasse “Se essa rua, se essa rua fosse minha…


…ela seria (e é) nossa!”


Rua Dinorá é um curta de Natália Maia e Samuel Brasileiro em exibição no 21º Goiânia Mostra Curtas

 

Rodrigo Passolargo é roteirista, escritor, produtor cultural cearense e crítico de cinema. Formado em Economia e graduando em História, com pesquisa voltada ao regional nordestino, cultura popular e armorial.

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