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  • Eric Magda

Origem Demo Vídeo: até hoje focado sem pensar em parar

Texto por Eric Magda


Em julho o Museu da Imagem e Som promoveu a exibição do "Cine MIS - Territórios Mapeados", curadoria de Jauh Ferreira, com a exibição de realizadores das favelas de Fortaleza. Se torna não apenas importante, mas indispensável, reconhecer e trazer a visibilidade para os múltiplos trabalhos dentro do território cearense, visto que cinema não é só o cinema feito com milhões ou os que chegam ao circuito comercial. É importante dar atenção aos trabalhos feitos no Estado, especialmente trabalhos feitos por grupos fora da hegemonia conhecida do cinema (homens brancos, cis, héteros e burgueses da área nobre da cidade).


‘Origem Demo Vídeo’ é uma experimentação que funciona também como videoclipe dirigido por Jauhf e Davinci, e teve sua estréia para o mundo no Cineteatro São Luiz em março deste ano. Para além de ter diretores pretos e da periferia da cidade, o filme trás também os trabalhos de vários artistas periféricos da cidade. Há muita luta para existir a ocupação de mais espaços por artistas periféricos e a forma como houve uma parceria para a obra ser criada fala muito sobre como cabe a esta obra, falando não apenas do produto final mas a forma como foi feito, uma maior visibilidade. Por que? Bem, a população precisa ver a arte sendo feita próxima dela.


Com a direção de fotografia assinada por Sabrina Nascimento, Flávia Almeida, Durango e Thiago Campos, temos certas referências a religiões de matrizes africanas com a natureza para qual nosso ‘personagem’ (interpretado pelo diretor Davinci) é transportado e também as jovens crianças - erês. É para muito além da própria fotografia apenas, a forma como a sonoridade e a arte combinam-se para criar essa atmosfera mais remetente a pontos de macumba de alguma forma, elementos de figurino. Posso estar lendo muito no assunto, mas o verde das plantas me remete logo a essas sensações, assim como as jovens erês são um reflexo e espelho para a juventude. A sensação é de viagem, de sonho, o que retorna para as raízes do cinema - a janela dos sonhos.


É interessante mergulhar no lugar dos simbolismos, de como cada elemento de uma obra pode ter algum significado especial não tão evidente à primeira vista. O presente é um elemento importante, deixado na porta deste personagem a qual acompanhamos antes de sua viagem. Nesta obra temos a direção de arte, uma parte eximiamente bem cuidada, assinada pelos coletivos Preta Chic 085 e Pala Preta. Com a arte, recebemos um filme capaz de falar sobre o acolhimento, falar sobre uma familiaridade e uma proximidade entre corações semelhantes, entre a natureza e seus filhos. Esse acolhimento é muito para além do afago, da saudação de cabeça, ele transparece até no banho de ervas realizado com nosso personagem enquanto podemos ouvir um canto para Oxum sendo cantado por essa figura maternal (interpretada por Cícera Barbosa).


Somos mais uma vez transportadas por uma outra atmosfera, um outro lugar ou não lugar a medida que vemos o mar a noite e uma pequena embarcação trazendo uma figura trajando um manto azul. A música acompanha esta nova atmosfera, não apenas quando a pessoa está dançando, mas quando a montagem faz com que a própria imagem dance. Esta figura em primeiro plano com cores vibrantes enquanto o céu escuro com poucas luzes brilham atrás é algo capaz de remeter a um viés de espiritualidade e ao mesmo tempo ao nosso mundo físico de Fortaleza. Então a troca dançante entre a figura, a montagem e o espectador toma um novo lugar à medida que a música se torna nosso guia e as luzes dançam junto.


As imagens de ‘Origem Demo Vídeo’ conversam muito entre a representação do imaginário, do espiritual e do real. É um filme sobre abraçar uma cultura comumente ignorada, sobre celebrar a existência de uma Fortaleza periférica e preta. Nenhuma arte deveria ser hegemônica então toda quebra de hegemonia é um movimento político e artístico, a forma como a obra trabalha muitos elementos com tanto cuidado e um certo apego é notável. Não é sobre ‘e se houvesse mais dinheiro’ mas a celebração da imensidão e uma obra realizada por artistas cearenses capaz de dizer tanto.


Como uma parte da música presente, ‘até hoje focado sem pensar em parar’ penso em quanto é importante para artistas fugir da estagnação em um país tão relutante em reconhecer seus próprios. Nada se ganha parando, o problema é a sociedade não reconhecer a importância de artistas como estes presentes nessa obra tão colorida e viva de não pararem.

 

Eric Magda é graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis. Tem trabalho em produção e roteiro, focando em protagonismo feminino, negre, trans e não binário na frente e por trás das câmeras.

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