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O Agente Secreto – Um coito interrompido via o aburguesamento histórico da curtição

  • Foto do escritor: Ted Rafael
    Ted Rafael
  • 3 de out.
  • 4 min de leitura

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A formatação de uma fita lotada de questões históricas que se juntam num colorido já esperado.


Kleber Mendonça Filho parte para um esquema de conurbação política, histórica e folclórica que represente não só o Brasil, mas primordialmente, Pernambuco, dentro de uma estratégia de micro-história sobre o período de Ditadura Civil Militar brasileiro (1964-1985). E é nesse microcosmo social que seu filme se projeta. Sem deixar de ser pequeno burguês e por vezes professoral, como já era de se esperar de seu cinema. A fita versa sobre um agente secreto que de agente não tem porra nenhuma – bom ardil –, que sem ter feito absolutamente nada de grave além de irritar o ego de um figurão da elite, acaba por ser perseguido por isso. Um professor universitário no caso. Enquanto o tom de introspecção estórica causa interesse por fugir dalguns chavões e por mostrar o cidadão comum perseguido e no quão é imbecil e perigoso um sistema que avança nessa marmota. Mas se agarra noutros tantos rótulos como a perseguição ao ensino superior por parte de figuras e regimes reacionários. O que aqui funciona espertamente a contento pela representação do sujeito como um professor discordante. Que é algo que dialoga na contemporaneidade brasileira quando a ciência é reiteradas vezes posta em cheque seja por ignorância, má-fé, ou outro escuso motivo. E dentro dessa proposição curta de recorte, um painel é visado a se moldar nos arredores do personagem de Wagner Moura. Onde este pequeno universo quer tensionar uma reflexão tanto histórica quanto política dos dois períodos históricos [DIEGÉTICO E EXTRADIEGÉTICO]; e parafraseando-adaptando Marx, a histórica acontece pela primeira vez como tragédia e a segunda vez como farsa.


INTERSECÇÃO COMPARATIVA CURTA. É até invocado perceber como o colorido remonta uma caracterização histórica que se propõe na contradição. Os carros em cores berrantes, as paredes, os rótulos de bebida, as roupas, as pessoas. Tudo esbelto e vivaz contrastando com aquele ajuntamento político autoritário. O que se mete como uma rima contrária dos avistamentos de ruas, casas e paredes assépticas desses novos tempos. Sem o fervor de outrora. FIM DA INTERSECÇÃO COMPARATIVA CURTA.


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Tudo muito bem engendrado por uma montagem deveras decidida e coesa com a intencionalidade de choque quando necessário é imprimindo velocidades e adequações que remetem espertamente ao cinema setentista doutra correria diegética. E funcionando mesmo com sua duração excessiva. A figura do Wagner em perambulações via ensejos e dúvidas, possui encaixe nas movimentações de câmera e no quão estas, em junção com seu protagonista, funcionam como uma construção da personalidade de uma obra. Inclusive há um humor pontuado para lidar com o clima tenso, servindo como alívio e justificando alguns pequenos exageros de escolhas estéticas que fomentam o clima folclórico a homenagear o Pernambuco, mesmo que pareçam aleatórios nalguns momentos, mas valem como diversão. Principalmente quando vinculados a uma perna decepada dentro de um tubarão que se metamorfoseia na perna cabeluda mítica recifense. São absurdos dentro da narrativa que possuem uma justificativa para se colocarem ali, mas não existencialmente, soando como meros encaixes forçados. Isto não seria problema se assumissem a esculhambação como mote à vera. É o limiar do cinema do Kleber que aposta nesta maçaroca de elementos como um prato a se devorar, mas que soa como um coito interrompido. Não por uma estranheza, mas por não entrar de vez na jogada. O formato episódico meio que é usado para ir moldando figurações obviamente, mas algumas situações vão ficando perdidas no meio do caminho assim como os usos de frases de efeito e transa de momentos catárticos jogados para a plateia não como provocação, mas como busca por aplausos ao lidar com anseios da galera. Isso O Agente Secreto (2025) sabe fazer. Inclusive quando propõe que uma personagem feminina forte tenha seu momento quando esculacha um canalha. Há todo um preparo interno dessa cena (mesmo que a personagem infelizmente tenha pouca relevância além de suas supracitadas citações de existências passadas em bocas alheias) que revela a superficialidade desse artifício, que é tão divertido quanto barato. O velho “... é a puta que pariu e vai tomar no cu”. Dentro sim de uma contextualização de desconsideração escrota das mulheres no período. Algo que é defendido com gana pela sensacional atriz Alice Carvalho. Há esta promoção de vais e vens históricos que servem para nortear os seus rumos para o entendimento do público e dentro desse método, algumas filigramas de exagero e humor são vendidas ali como bálsamos e ares de subversão, mas que teimam em somente arranhar a própria concepção de seus nascedouros.


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É a terceirização da dinâmica do olhar pequeno burguês, que se arvora de uma crítica social divertida para lidar com conjunturas severas, mas de maneira a transformar tudo em curtição dentro de uma égide de segurança discursiva. É jogar no seguro mesmo. É o afirmar que perseveram formas outras de apontamento para as desgraças de um período reacionário. Porém é um material que fica tangenciando na superficialidade de suas escolhas sem buscar um esqueleto de tensões ferozes além de frases de efeito entre acelerações-desacelerações e momentos de violência e sexo (interessantes nalguns usos aqui). Sem apertar tanto, mesmo que haja um ótimo acerto no mostrar da incompetência dos sujeitos propensos a valentia. Sejam os policiais imbecis (o delegado arrogante é ótimo nesse sentido), ou a duplinha de pistoleiros inúteis que recorrem a um atirador local para conferirem vulto ao serviço que não farão. São criaturas que viveram às margens de um sistema escroto quando arrotavam valentia, que no fim eram incipientes dentro de sua própria insignificância porque acreditavam do pequeno poder que tinham em mãos.


Esta circulação de elementos não visa um questionamento além do que está proposto em tela. É a crítica sujeitada a uma brincadeira que é categorizada como tal e tem um simulacro de isenção baseado no seu aporte moral e político e que exerce uma força sobre si diante da falta de reflexão. Os descomedimentos existem para isso. O fantástico como forma de discurso. Mas não há gravidade consequencial disso. Há um tiroteio bem engendrado à frente e que fomenta a dúvida, mas não há uma contundência severa da totalidade conjuntural do que o filme se propõe a criticar discursivamente. Mas há certa curtição. É o aspecto tesudo a lamber somente a cobertura do bolo. Isso é um apontamento sobre o filme e diante do cinema do Kleber, que vai galgando uma consistência técnica de sua direção, enquanto seu caráter de pequeno-aburguesamento permanece incólume e recheado comentários anedóticos – o humor funciona por vezes, é verdade. Bonitinho, mas ordinário.


Assistido na exibição especial do 35º Cine Ceará 2025. 24/09/2025

 
 
 

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