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  • Daniel Victor

Noite Passada em Soho (2021): Thriller psicológico perturbador

Publicado pelo Autor no site Clube Cinema

O que mais gosto do cineasta Edgar Wrigth é que todos os seus projetos são puro entretenimento. E infelizmente, muitos cinéfilos, fazem questão de separar “Filmes de Arte” vs. “Filmes de Entretenimento” ou “Filmes para as Massas”. Uma visão tão distorcida e preconceituosa, que demonstra o total desconhecimento da história da arte e do cinema. Mas o pleno domínio do diretor com linguagem cinematográfica, quebra qualquer tipo de preconceito. Seja na sua famosa “Trilogia do Cornetto”, que homenageia subgêneros do cinema, na perfeita adaptação das HQs de Scott Pilgrim, ou no “musical de ação”, que utiliza uma edição estilo Mickey Mousing (termo utilizado quando música e imagem estão em extrema sincronia), Em Ritmo de Fuga, comprova o talento de Wrigth. E em seu novo longa Noite Passada em Soho, o cineasta deixa a comédia característica de sua filmografia e aposta em thriller psicológico, com uma crítica ao machismo eficiente.


Acompanhamos Eloise (Thomasin McKenzie), uma jovem apaixonada pela década de 60 e que aprovada em universidade em Londres para cursar e realizar seu grande sonho em ser uma designer de moda. Porém a mudança para capital é difícil, obrigando a protagonista a deixar a república de estudantes que passou a morar e mudar-se para um quarto na região de Soho, nos aposentos da Sra. Collins (Diana Rigg, último longa da lendária atriz, ao qual o longa é dedicado).


Porém na primeira noite no quarto que Eloise mora, ela tem um sonho que a transporta para os anos 60. E a partir daí, começamos acompanhar Sandy (Anya Taylor-Joy), uma linda jovem aspirante a cantora. Entretanto, o que começa fascinante para Eloise, começa a se tornar um verdadeiro pesadelo. Os sonhos que tem com Sandy e os acontecimentos com a personagem, começa afetar a realidade da protagonista. E o longa se torna em um verdadeiro suspense/terror psicológico perturbador.


O roteiro assinado tanto por Wrigth e por Krysty Wilson-Cairns (indicada ao Oscar por 1917), cria um pesadelo progressivamente perturbador. Passado e presente; onírico e realidade e dualidade são temas presentes na trama, que deixa constantemente o espectador em constante atenção e se perguntando o que de fato está acontecendo na história.


Tal recurso poderia afastar o público em busca de respostas, mas a narrativa é tão hábil, que prende o espectador sem nenhum tipo de artifício apelativo. O longa não explica como Eloise consegue transitar entre os dias atuais e anos 60 e o porquê sua relação com Sandy. Uma decisão correta, pois potencializa o suspense. Entretanto, o filme faz uma dura crítica ao machismo, tanto antigamente como na atualidade, que é introduzido inicialmente como uma pista, até que o incômodo norteia a história. E em falar em pistas, talvez esse seja o grande deslize da película.

Me atrevo a dizer que essa seja a melhor direção da carreira de Wrigth. Todas as características presentes em sua filmografia estão aqui: edição precisa, que muitas vezes utiliza match cuts, mas nesse caso para criar ótimos jump scares, um excelente uso do espaço cénico e utilização de músicas, que muitas vezes descreve a cena. Recurso que poderia estragar o longa, mas nas mãos do diretor se torna genial.


A fotografia de Chung-hoon Chung que utiliza luzes neon e cores primárias (destaque para o vermelho), evoca clássicos como o Um Corpo que Cai de Hitchcock e Suspira de Dario Argento. E o design de produção de Marcus Rowland, os cenários de Joe Bench e Judy Farr, recriam uma Londres da década de 60 com perfeição. Mas os efeitos sonoros Arthur Graley e os efeitos visuais Thomas Proctor, que criam as visões que perturbam tanto Eloise e o espectador, é louvável. Inclusive, o vestido rosa característico de Sandy é uma clara homenagem à modelo Twiggy, ícone da moda dos anos 60.


Eloise e Sandy inicialmente começam como um duplo uma da outra, elemento que é evidenciado pelo constante uso dos espelhos. A protagonista começa a se vestir como Sandy e pinta até mesmo o seu cabelo para loiro. Mas essa dualidade cada vez mais vai se afastando, e quando Eloise se desvincula com o passado, já é tarde demais pois ela passa a ser atormentada no presente. E o longa abre margem desde o começo se a protagonista de fato tem algum dom ou sofre de algum problema psicológico, graças ao histórico familiar. O que potencializa o suspense e evoca longas da filmografia de Roman Polanski, que em alguns de seus filmes, o real e onírico se misturam sem uma resposta exata.


O outro personagem importante para trama é Jack (Matt Smith), que é o personagem que mais evidencia o machismo e o sexismo que é a grande mensagem e crítica do longa. Aos poucos sua relação tóxica vai envolvendo Sandy e influenciando de forma perturbadora a realidade de Eloise. Onde somente seu amigo John (Michael Ajao), tenta ajudar a protagonista.


Mas apesar de uma direção e elementos técnicos louváveis, a trama “falha” justamente na construção de suas pistas, o que provavelmente irá desagradar o público. A palavra falha está propositalmente em aspas, pois narrativamente o longa não comete erros ou inventa soluções para sua narrativa. As pistas estão no filme, mas algumas são apresentadas de forma tão breve e às vezes uma única vez, que seria pedir demais a compreensão total do espectador.


Mas se realmente podemos apontar “falhas imperdoáveis”, essa envolve o idoso estranho vivido por Terence Stamp, e um acontecimento chave envolvendo as figuras que atormentam Eloise perto do desfecho. Infelizmente, não poderei ir além daqui, para não estragar a experiência do leitor. Mas mesmo assim, faz sentido, principalmente para a mensagem do longa e porque toda a trama sempre é nos apresentada na perspectiva de Eloise. Inclusive, Wrigth sabe tanto do risco dessas escolhas, que o final é óbvia alusão, em devidas proporções, a jornada de Travis Bickle no clássico Taxi Driver de Martin Scorsese.


Noite Passada em Soho é um show de entretenimento de Edgar Wrigth. Mais uma vez ele comprova o seu talento e domínio da linguagem cinematográfica, provando que ele pode transitar em qualquer gênero que queira. Mas infelizmente há deslizes - por mais que façam sentido na trama, podem transformar um longa que tinha tudo para se tornar um clássico, em algo que provavelmente pode frustrar o público. Mas independente disso, o saldo é positivo.

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