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Messias Adriano

Milonga | Crítica





Rosa (Paulina Garcia) é uma mulher de meia idade com diversos conflitos internos. Viúva e abandonada pela família, ela tem a chance de se libertar de um passado que lhe machucou ao conhecer e se interessar romanticamente por um homem que surge na sua vida ao acaso. No entanto, a melancólica mulher parece insistir em dar atenção àquelas pessoas que não lhe querem por perto.


O filme inicia com Rosa enviando uma encomenda para um homem em uma prisão. Nós não sabemos quem ou o que ele fez até pelo menos a metade do filme, que se desenrola em camadas de respostas fornecidas sem muita pressa ao espectador.


Juan (César Trancoso) está inicialmente interessado na caminhonete que Rosa está vendendo, então os dois negociam um acordo para que o homem, que também presta serviços de pequenas reformas, pinte o muro da casa de Rosa. Aliás, eu espero que Rosa não tenha negociado com Juan pela diária, porque o profissional demorou 3 dias pra pintar um muro pequeno. Eu sei que pintor hoje está difícil, mas dava pra matar esse serviço em um dia, facinho, facinho.


Após algumas conversas, os dois passam a ficar mais próximos e então surge o convite para uma casa noturna na qual se dança tango e milonga.


Com uma pessoa querida presa e o marido morto, Paulina Garcia transparece em Rosa um peso à protagonista que faz com que o espectador possa imaginar com bastante facilidade os muitos percalços que a mulher enfrentou. Quando o ex-cunhado se aproxima para lhe mostrar uma foto no celular e abraça Rosa, é possível ver um pequeno gesto com o ombro de afastamento e uma expressão de incômodo no rosto da atriz, algo que talvez dure menos que um segundo, mas o suficiente para que possamos sentir a retração da protagonista.



Trabalhando uma direção econômica e eficaz (algo difícil de se alcançar), a diretora Laura González explora diversos planos com a câmera estática e que valoriza bastante a mise-en-scène dos atores, que entram e saem do quadro naturalmente. Há também composições imagéticas discursivamente importantes para o filme, como posicionar Rosa frequentemente vista por trás de grades da janela da casa, simbolizando a prisão na qual a mulher vive. Ou mesmo, em um plano conjunto, posicionar uma parede na frente de uma amiga que visita Rosa, a fim de que possamos ver que, mesmo quando conversa com outra pessoa, a protagonista ainda está isolada.


Mais que isso, é habilidosa a condução da trama e o desenvolvimento dos personagens, que começam a dar indícios da real personalidade de maneira espaçada, mas crescente, em pistas deixadas pelo roteiro que se tornarão recompensadoras ao final, por mais que um ou outro resultado tenha um pezinho no explícito que destoa do tom da obra (o suprassumo da vilania em obras de ficção ocorre aqui: chutar um cachorrinho).


Para dançar milonga, é preciso necessariamente de um par. No entanto, na vida de Rosa, sozinha ou acompanhada, o importante é se libertar de quem lhe faz mal e de quem lhe pratica abusos. Milonga constitui um belo arco da personagem feminina que precisa quebrar seus dogmas já cristalizados e nos expõe a dificuldade do processo.

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