No seu filme anterior A Praia do Fim do Mundo (2021), o diretor Petrus Cariry coloca Helena (Marcélia Cartaxo) em desencontro e inerte com sua filha Alice (Larissa Góes) diante de uma casa cada vez mais deteriorada pelo avanço do mar. Em Mais Pesado é o Céu (2024) o diretor afoga de vez esses alicerces causando encontros cruzados por vias diferentes. Os personagens ganham pernas e caminham rumo a um afogamento social. É Antônio (Matheus Nachtergaele) que segue pra uma direção. Teresa (Ana Luiza Rios) que retorna para outra. Nas margens das águas que antes residia a cidade de Jaguaribara/CE, encontram um recém-nascido e assim os três cruzam uma tentativa da sobrevivência.
Se a necessidade de sobrevivência pessoal é o fator da desconfiança entre os protagonistas, é a criança que conecta os personagens diante da incapacidade do pequenino no inóspito cenário. A inocência enrolada em frágeis tecidos recordam fagulhas de ternura de algum momento de outrora. A relação entre Teresa e Antônio ganha uma força descomunal durante toda a história principalmente pela oscilação entre a resistência de aproximação e a possibilidade de acolhimento. Petrus Cariry deposita neles algo parecido com o que afirmava o historiador Frederico Pernambucano de Mello: que o desbravamento do sertão nordestino selecionaria um tipo particularmente tenaz de gente. Tenacidade essa que reside e emudece a boca. Ensurdece a alma. Em Mais Pesado é o Céu, o ato de esperar e o ato de fazer violentam e desvirginam a violência dos seus personagens diante das necessidades mais básicas de sobrevivência. Nem que seja preciso desmembrar a esperança que reside no outro e em si.
O filme, entre tantas possibilidades do sujeito ser, talentosamente o despovoa de si numa ebulição de revoltas. Antes e para isso, desmastreia-os. No sentido de desnavegar, errar, falhar, perder o mastro no mar seco. Um isolamento em espiral que somente a condição peculiar cearense o faz continuar, como bem lembra o texto As Desvantagens de ser Caracol, do livro Ceará Caboclo, escrito pelo pai do compositor João Victor Barroso (que conduz a belamente intranhável trilha sonora), nosso querido folclorista e teatrólogo Oswald Barroso (1947-2024):
“Ser caracol tem vantagens e desvantagens. Das vantagens já falei, de levar consigo sua casa, tudo o que tem. Das desvantagens, digo agora, nada deixar para trás, porque até a saudade o caracol leva com ele. Eis uma boa metáfora para o cearense, animal que não se fixa em toca ou ninho. Para ele, tudo é provisório, até os palácios mais suntuosos, para não falar da casa onde nasceu, da rua onde morou (…)
Por que isto acontece? Talvez, pelo indígena andarilho, pelo português navegante, pelo vaqueiro que caçava o boi na caatinga aberta, pelo judeu errante, pelo mouro mascate, pelo beato romeiro. Quem sabe, pelo desapego à terra sempre alheia, pelo flagelado retirante, pelo comerciante varejista, pelos novos ricos... Ou por falta de amor próprio?”
Um céu pesado sobre nossas cabeças.
Por que isto acontece?
[Mais Pesado é o Céu estréia dia 08 de agosto nos cinemas] _______________________________________ Rodrigo Passolargo é roteirista, escritor, enredista e crítico de cinema. Bacharel em Ciências Econômicas e licenciando em História, com pesquisa voltada ao regional nordestino, cultura popular e armorial. Atualmente é vice-presidente da ACECCINE.
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