Texto publicado pelo Autor no site Clube Cinema
Integrante da “Romanian New Wave” (Nova Onda Romena), Radu Jude é conhecido por seu humor sarcástico, pelo absurdo, críticas à sociedade e a hipocrisia dos bons costumes. Além de ser forte crítico ao período socialista romeno, pelas barbaridades do governo praticou, principalmente contra as minorias. E o melhor é que tudo isso é abordado nesse longa.
Sua narrativa conta a história de Emilia ou Emil (Katia Pascariu), uma professora de história que tem seu vídeo de sexo explicito (e aqui o diretor não tem pudor algum em mostrar tudo), com seu marido Eugen (Stefan Steel, que curiosamente não aparece no longa, apenas é citado ou recebe telefonemas da protagonista), vazada na internet. Em pouco tempo, toda a cidade e até mesmo outros locais do mundo, tomam conhecimento da sex tape. Revoltados, os pais da escola onde ela leciona, exigem uma reunião para expulsar a docente.
A película é dividida em três partes (na verdade quatro, retornarei a esse tópico ainda no texto), e foi gravada em plena pandemia da Covid-19. Quase todas as pessoas presentes do longa usam máscaras. Esse elemento poderia datar o filme, mas a sátira é tão rica e universal, que mesmo se fosse filmada em condições ideais, teria o mesmo impacto. E o diretor não poupa esforços narrativos dentro da linguagem cinematográfica para satirizar e abusar do absurdo ao criticar a sociedade.
Com a direção de fotografia de Marius Panduru (que já trabalhou com Jude em longas passados como em Aferim!), a câmera, na primeira parte, segue o dia-a-dia de Emil na cidade onde vive, como um observador, sempre em movimento panorâmico, em quase planos sequências. Em certos momentos, o diretor faz questão de seguir a protagonista e parar para focar por alguns segundos em algum elemento da metrópole, criando sempre uma “piada” com as contradições do local filmado. Além, claro, de demonstrar a população (que quebra algumas vezes a quarta parede), sendo hostil com Emilia, aparentando que ela ainda não percebeu que todos já sabem do vídeo.
Já na segunda parte, o diretor muda completamente o foco do longa, tornando-se literalmente um glossário. E que por mais que no começo pareça estranho essa escolha de mudança de linguagem e quebra de narrativa da película, faz total sentido para proposta do filme: diversos vídeos (sendo fotografias ou filmagens de arquivos), seguidos de palavras para demarcar o tema, aparecem na tela. E a edição precisa de Catalin Cristutiu conecta todos esses elementos de forma que a mensagem de crítica seja poderosa, impactante e muitas vezes desconfortável.
As palavras seguidas de vídeo ou fotografia, tem comentários do diretor através de legendas, com diversos temas são abordados: machismo, arte, História (tanto da Romênia como do mundo), religião, governos totalitários, guerra, sexo, família, natureza, negação à atual pandemia, metáforas, ética, moral e claro hipocrisia. Todas com um informações, críticas e percepções pessoais do realizador. Inclusive, saber que a palavra “boquete” é a mais procurada na internet, e a segunda é “empatia”. Esse é um dos vários exemplos que o cineasta nos mostra para dizer que nossa sociedade está caminhando na direção errada. E acredite, o exemplo que acabei de citar, talvez nem choque o leitor, mas confie em mim, outros irão te impactar.
A terceira parte trata-se do julgamento de Emil. O diretor constrói de forma perfeita os argumentos, tanto para acusação como para defesa. Obviamente, os pais tem “certa razão” em defender tanto as suas imagens como as de seus filhos, e de aceitar que a “professora pornô’ (termo pejorativo que evidencia o machismo), lecione em um colégio com uma reputação já manchada. Entretanto, Emil se defende de forma inteligente: questionar o sexo, principalmente entre o casal, e a displicência em um pais permitirem seus filhos em consentir que eles tenham acesso ao qualquer tipo de conteúdo, evidencia a hipocrisia de quem a acusa.
Nesse terço final da história os planos são mais estáticos, cortes precisos, e uso de zooms, que potencializam a tensão da sequência. E não importa os argumentos racionais que Emil use, os pais, que por sinal são personagens propositalmente estereotipados (um general que defende os tempos de repressão, o padre prefere ser isento e o empresário que pensa somente em si), só confirma que, o debate razão x senso comum mostra a incomunicabilidade e empatia que nós temos para com os outros. Independente, se o longa fosse filmado na pandemia ou não (como já dito), e que a maioria dos personagens usam máscaras, não datam a universalidade da mensagem que Jude quer passar. E se ele utiliza ao máximo as situações e argumentos absurdos em todo o longa, é porque de fato vivenciamos uma sociedade assim.
Entretanto, como havia citado anteriormente no texto, o diretor nos apresenta uma “quarta parte”, propondo três desfechos diferentes para a história. E independentemente se existe uma escolha correta e que o espectador possa decidir o final que ele preferir, a mensagem já foi dita e escancarada ao público. Tanto que o terceiro final é o mais absurdo, surreal e engraçado (inclusive o nome da última conclusão: “O filme é uma piada”), a qual o diretor nos convence que de fato não há absurdo maior que a realidade.
E se, após assistir ao filme e ler essa crítica, você achar que o longa é presunçoso demais, é porque de fato ele é! Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental se propõe em satirizar tudo e a todos, inclusive a si mesmo. No final, Radu Jude cria uma película perfeita e que não se leva (talvez menos na segunda parte) a sério. E mesmo assim consegue ser tão crítico e impactante, comparado com outras obras que tentam ser relevantes e alcançam apenas o óbvio.
Daniel Victor trabalha como Crítico de Cinema desde 2016, e é formado em Cinema e Audiovisual. Atualmente colabora com o site Clube Cinema
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