Texto por Rodrigo Passolargo
Nas palavras de Plínio (II, 96), certas ilhas flutuam sempre.
Após um terremoto, Makoto Kondo acorda às margens de uma praia desconhecida. Buscando retornar a sua vida, depara-se com estranhas pessoas que podem indicar onde está e como sair. Do outro lado, seu pai perambula na solidão das lembranças.
O diretor Ignacio Ruiz assina um tom nublado em sua atmosfera fílmica para assim mergulharmos junto com Makoto em suas questões. É discreta a alternância com o arco de seu pai, onde o ar umbrático é figurado de outro modo. Destina-se então seus cem minutos na calma e misteriosa imersão nos não-lugares desses dois vagantes. Mas como diz o ditado “Nem todo vagante é vadio”.
São muitos os não-lugares que o filme insere nas penumbras silenciosas de sua história. Na esperança do retorno, Makoto acompanha misteriosos personagens que expressam uma ambiguidade passiva, aumentando as sensações de círculos e grilhões entre florestas e praias. Tais traços narrativos lembram os relatos do monge de Saltey sobre o purgatório:
“O purgatório é uma sucessão de lugares que se encontram no mesmo plano, percorre-se por meio de um caminho plano, sem subidas ou descidas. E trata-se de um lugar aberto, cujos limites se vêem, do qual se pode sair ou fugir. (…) numa altura em que esse sistema do purgatório não está ainda bem constituído.”
(LE GOFF, Jacques. O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval. Lisboa. Edições 70 Lda., 2010).
Se as caronas que Makoto pega não o leva a direção nenhuma, o mesmo não acontece com seu pai. Enquanto Makoto é retratado nessa espécie de purgatório ligada ao espaço, seu pai caminha por ruas mais mundanas amarradas ao tempo. Um tempo que percorre a melancolia de seu olhar. Não menos encarcerado, ele busca o escape pelos signos que conecta ao filho.
O filme nipo-chileno pode ter um aspecto demasiado contemplativo e descansado com pouquíssimos momentos de agitação. Mas se o faz, é justamente para quebrar esse sistema espacial e temporal que antecede a problemática. Os pares baixo-alto, ir-voltar, um-outro, interior-exterior se aproveitam das brumas que cercam seus personagens para estimular um pensamento de que pode existir algo entre essas dúplices.
Green Grass deve estar no não-lugar que Umberto Eco descreveu em seu Histórias das Terras e Lugares Lendários. Contos que a Fada Morgana enganava os moradores das ilhas de Madeira, de Palma, de Gomera e do Ferro com grandes nevoeiros. E mesmo embaçados, habitantes afirmam terem visto a insula perdita na linha que divide o mar e o firmamento.
Uma linha onde nascem verdes gramas.
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