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  • Daniel Araújo

Dossiê 13º Curta Canoa: Vertentes de um encontro possível

Daniel Araújo integrou o Júri da Crítica no 13º Curta Canoa - Festival Latino-americano de Cinema. Confira os premiados aqui.


A realização da edição de 2021 do Curta Canoa é mais que o acontecimento de um evento. É uma vitória da cultura no estado do Ceará em um período onde as dificuldades e os enfrentamentos superaram as variantes políticas (apesar da posição de ingerência do governo brasileiro na esfera federal). A pandemia que assola o mundo todo desde 2019, segue seu curso implacável no globo. Mas a arte resiste. Por isso, partir da reflexão sobre a vitória é tão importante. E nesse sentido, importa bastante dizer da ideia de recorte.


Bem como falar da confluência entre-filmes na representação desse olhar da arte para o mundo que nos cerca. O curta-metragem, o longa-metragem, o filme infantil, o documentário, a ficção e o experimental, juntos, confluíram para dar a consistência que o festival necessitava para chegar a sua 13ª edição. Mas não somente por isso, o seminário Políticas Públicas para o Audiovisual e os Desafios da Agência Nacional do Cinema (ANCINE) com Doug de Paula e Marcelo Ikeda, abriram essa escala dialógica e reflexiva do evento.


À distância, as sessões não ocorreram no costumeiro “calor humano” que as exibições presenciais costumam trazer. O momento não nos permite isso, no entanto. E na defesa da preservação da vida em contraste ao negacionismo alienante, estivemos reunidos por meio das telas e do formato virtual. Estávamos juntos (à distância, mas ligados pelas possibilidades que a tecnologia nos permite). Não se trata, portanto, de fazer a bandeira do saudosismo pelo anterior que não tem sido possível. O festival ocorreu, assim como tantos outros têm ocorrido.


Foi assim na recém-concluída 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes ou no Festival de Sundance de 2021. A questão é: sim, é possível. Os festivais - essas grandes janelas de exibição, compartilhamento e foco - dos filmes de indústria ou independentes ao redor do mundo têm se mantido, apesar do cenário pandêmico. Na verdade, eles têm refletido exatamente sobre isso. Nós vamos chegar nesse ponto, especificamente, logo mais. Antes, vale reforçar. Quando as coisas voltarem “ao normal”, elas podem ressoar as lições dos últimos dois anos.


Para além do apego à vida de ontem, incorporar o estado das coisas desse hoje é preciso. O festival pode ser presencial e online, sim. Quantas cabeças e mentes podem estar conectadas nessa experiência? As possibilidades são infinitas. O debate certamente vai para além da acessibilidade. Em Canoa Quebrada, teríamos público nas salas/praças da linda cidade litorânea, mas também poderíamos contar com o acesso múltiplo daqueles que, de outras cidades, acompanhariam toda a programação na sua natureza agregadora.


A atual conjuntura nos obriga a pensarmos nisso tudo. No momento em que escrevo este texto, o mundo registra 2 milhões 230 mil e 829 mortes pela Covid-19. No Brasil, os “dados oficiais”, apontam para o número de 224 mil e 504 vidas perdidas. A vida não será mais a mesma. E por isso mesmo que um novo paradigma para essa futura realidade nos instiga a pensarmos para além do que já estava estabelecido. O cinema vai ser o mesmo? É possível sermos os mesmos? Reticências.


Eu sei, é difícil olhar na frente quando nosso futuro está coberto por uma densa névoa trazida pelos poderes que nos regem (ou deveriam reger). Mas resistir é preciso. Por isso o eco que temos vistos dos vários festivais ao redor do mundo nesse exercício contínuo da experimentação dos usos da forma e conceito de ser enquanto evento. O distanciamento, o isolamento social, a morte, a dor, as perdas e vitórias sobre esse tempo evocam um misto de muitas percepções. Daí a centralidade do olhar como forma de darmos sentido ao mundo que nos rodeia.


A própria escolha da premiação do júri da crítica do 13º Curta Canoa fala disso. Destacar a produção e existência de dois curtas metragens “experimentais” (o que significa experimentar para você?) vem nessa intenção de reconhecer esse novo que os realizadores podem experimentar, mas também de problematizar o posicionamento da crítica enquanto janela de reflexão sobre esses filmes. Juntos, Pequenas Considerações Sobre o Espaço-Tempo, de Michelline Helena; e Introdução aos Estudos Oníricos, de Amanda Pontes, somam exatamente 6 minutos.


E tudo bem. O cinema não é dado pela metragem, pela sua relação com o gênero ou pelo público para o qual a obra supostamente venha a ser feito. A experiência do filme supera a questão da duração, apesar da centralidade que esse quesito possa vir a ter. Podemos estar diante de um trabalho de 12 horas, como nos lembra a vivência da cinematografia do realizador filipino Lav Diaz, mas de modo semelhante, somos passíveis de encontrar a mesma profundidade dentro de uma obra de três minutos. Tudo está no cinema. E dele derivam essa redefinição da percepção da nossa realidade, por mais dura ou lírica que ela seja.

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