top of page
  • Thiago César

Dossiê 13º Curta Canoa: Conflitos e Conexões

Thiago César compôs o primeiro Júri da Crítica da Aceccine no 13º Curta Canoa - Festival Latino-americano de Cinema. Confira os premiados aqui.

Cena de Tateio-me (BA), de Lis Schwabacher

Se o ano de 2020 serviu para alguma coisa, foi para nos mostrar o quanto o ser humano é um ser social. Relações entre amigos, amantes e familiares que estavam prejudicadas por conta do desgaste na convivência, desentendimentos no passado ou mera distância física acabaram se revelando como essenciais para muitas pessoas durante o período de isolamento, quando o afastamento e a solidão não eram mais opcionais. Mesmo fora do contexto da pandemia, é perceptível como o tema das relações humanas – em toda sua pluralidade de sujeitos, intenções, sentimentos, necessidades e desejos – é presente nesta edição do Curta Canoa.


Trabalhando a partir de diferentes recortes e por meio de abordagens que passeiam entre o íntimo e o coletivo, entre o experimental e o novelesco, as obras não apenas funcionam como externalização de ideias e perturbações individuais de cada realizador e realizadora, mas também como retrato de uma realidade onde a comunicação é impessoal e o tempo é diluído em ambientes virtuais, fazendo-se necessária uma reinvindicação artística a favor da paixão na conduta humana, para o bem ou para o mal.


Interessante perceber também que grande parte das obras que tratam de temáticas relacionadas a conflitos e conexões humanas são de realizadoras mulheres. Embora assinem apenas seis dos dezesseis títulos que compõem a programação do festival, são justamente estes que falam mais sobre as diversas faces das interações consigo mesmo ou com o outro e, por isso, talvez encontrem maior resposta afetiva do público.


Tateio-me (BA), de Lis Schwabacher, lida com o processo de estranheza sobre o mundo e apropriação de si mesma como resposta à carência social e afetiva provocada pelo isolamento, Terceiro Dia (CE), de Jéssica Queiroz, trata justamente do oposto: a negação de parte de si e da responsabilidade para com o outro. O primeiro se debruça sobre um viés absolutamente pessoal, introspectivo e quase existencial. Já o segundo, além de deixar clara a insegurança e despreparo da protagonista em sua nova condição, deixa margem para discussões mais abrangentes sobre falta de assistência à saúde e descaso das instituições públicas.


Enquanto Reza (RJ), de João Niella e Ralph Campos, atém-se a um enredo convencional sobre abuso e fuga do ambiente familiar, Marco (CE), de Sara Benvenuto, trabalha o processo de reintegração e acolhimento na família e na cidade natal que, uma vez esquecidas, firmam-se como questões a resolver para a protagonista. O curta carioca apresenta uma proposta mais calcada no gênero, claramente influenciada pelo estilo narrativo hollywoodiano de drama e suspense. Por sua vez, a obra cearense aposta em uma abordagem mais naturalista, com performances que improvisam nas situações, contando a história no subtexto, dando relevância ao que não é mostrado e deixando ao espectador a tarefa de aparar as arestas do enredo.


No caso de Quando as Nuvens Eram Nossas (RN), de Carito Cavalcanti, o tipo de relação trabalhada é bem particular. O documentário visa dar conhecimento ao público sobre o pianista paraense Oriano de Almeida, apresentando fatos sobre sua carreira e vida pessoal. Porém, o mais interessante é a conexão que se faz entre o artista e a jovem pianista e fã Isadora Rezende. Talvez a obra ganhasse mais escopo e apelo ao público caso tivesse focado nesta relação em si: os sujeitos, embora separados pelo tempo, têm a música como fator comum que os une.


De modo geral, o 13º Curta Canoa fala mais sobre pessoas do que sobre histórias. Como de costume, o formato de curta-metragem também motiva as realizadoras e os realizadores a se aterem a narrativas intimistas, até mesmo quando abordam algo mais abrangente. Entretanto, mesmo as obras que não lidam diretamente com temáticas sobre relações humanas e suas complexidades, tratam de personalidades e não de fatos. O ser humano está em evidência (uns com os outros).


Comments


bottom of page