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  • Messias Adriano

Dossiê 17º For Rainbow: Delicadeza e Piromania

Messias Adriano compôs o Júri da Crítica do 17º For Rainbow - Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual e de Gênero com Daniel Araújo e Beatriz Saldanha



Inflamável” era a palavra que permeava toda publicidade e material de divulgação do 17º For Rainbow – Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual e de Gênero. Esse bonito mote de força e furor não necessariamente foi a ordem do dia na escolha dos representantes brasileiros da mostra competitiva de curtas-metragens, tendo em vista que muitos dos filmes selecionados possuíam um tom mais doce do que necessariamente incendiário. É o método “filma-fofo” ladeado pelo “filma-com-força”.


Amores de um passado antigo foi o tema central de Bloco dos Corações Valentes, de Loli Menezes, centrado no encontro de uma mulher lésbica de 70 anos com seus amigos de longa data. Apesar de a fotografia fazer uma iluminação bem trabalhada para aquele ambiente caseiro específico, o filme apresenta um desequilíbrio na qualidade da montagem, que corta sem explicações a fluidez dos diálogos e acaba tornando tudo muito estranho, mais incômodo do que provavelmente desejava ser. Em Por Que Eles Não Ensinam Bixas Pretas A Amar (BA), Juan Rodrigues apresenta em tom confessional de uma história pessoal e impressionante. Um sequestro por engano e muitas reflexões sobre a própria vida e trajetória como homem negro e gay. A luta injusta que ele trava (no sequestro e na vida em geral) atinge o objetivo por gerar um misto de revolta e dor com aquele protagonista.


Por falar em documentários, o formato quadradinho, que pouco explora o potencial da linguagem cinematográfica se mostrou em Bixas Pretas: Entre O Amor e Os Afetos (MT), de Diego Roberto Silva Cavalcante, no qual a série de entrevistas ainda tenta introduzir uma reviravolta bem intencionada à lá Eduardo Coutinho em Jogo de Cena, mas sem muito brilho. Fugindo desse padrão mais comportado e trazendo a temática da migração no cerne, Migranta, de Manauara Clandestina e Luiz Felipe Lucas, explora de forma criativa as andanças, impressões e dificuldades veladas de alguém recém-chegado em Barcelona, na Espanha. O curta chama a atenção por meio de uma montagem rápida e um texto sagaz, flertando com o vídeo-ensaio.


Um bom exemplo de formato documental “padrão”, mas bem utilizado, é o cearense Mixadxs, de Rose Alves. A diretora apresenta uma concisa pesquisa sobra a história de três DJs cujo estilo não poderia ser mais diferente. As une os questionamentos curiosos e dificuldades por conta do gênero e orientação sexual.


No outro extremo temático, o cinema fantástico esteve presente no festival em boa forma com Jaci (CE), de Bruno Lobo La Loba. Ligando a mitologia tupi a pautas de gênero, o curta possui uma apresentação que atiça a curiosidade e uma tensão que se desenrola ao longo do filme. Já em Casa de Bonecas (MA), George Pedrosa nos apresenta corpos desnudos e sexualizados sem medo da exposição que poderia ofender os mais pudicos, além dos momentos “quase-gore” muito bem posicionados.


Pirenópolis, em Goiás, e Itajaí, em Santa Catarina, foram palco da ocupação de locais físicos em dois curtas. No primeiro, Pirenopolynda (GO), o trio de diretores Izzi Vitório, Tita Maravilha e Bruno Victor parecem fazer dois filmes diferentes, onde um utiliza recursos de forma um tanto quanto injustificada, quase como muletas (a alteração da textura de VHS para o digital, por exemplo, ou a captação de som que oscila bastante), mas o outro, que vem a seguir, é excelente, uma visão queer e de certa forma revolucionária daquelas pessoas sobre a pequena cidade e suas tradições. Quando Eu Cheguei (SC), de Romy Huber, traz simplicidade e força no desenrolar da narrativa de protesto contra a opressão histórica que lésbicas sofreram na pequena cidade. Honra a memória e sublinha o desejo de construir um futuro mais justo.


O tesão crítico presente em O Cavalo de Pedro (RJ/GO) pode entabular boas discussões. Daniel Nolasco (também responsável pelo longa Vento Seco) expõe no curta uma nova interpretação e teoriza sobre o que poderia ter acontecido sob as cobertas literais e figurativas do império brasileiro. De produção sofisticada quando comparada aos outros curtas da mostra, o diretor aproveita bem o orçamento que tem em mãos, unindo o estilo transgressor a uma exposição curiosa de feridas que existem desde antes de nos tornarmos uma nação independente. É um dos melhores filmes apresentados no festival.


Trazendo obras inflamáveis ou não, o fato é que o 17º For Rainbow cumpriu bem o papel de trazer ao público uma ampla pluralidade de gêneros em seus curtas, indo de documentários mais tradicionais ao flerte com o experimentalismo e o fantástico. Que o festival se mantenha por muitos anos na sua importante função de trazer um cinema da diversidade sexual e de gênero ao público cearense.

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