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  • Diego Benevides

Dossiê 13º Curta Canoa: Cinema, Canoa e pandemia

Diego Benevides compôs o primeiro Júri da Crítica da Aceccine no 13º Curta Canoa - Festival Latino-americano de Cinema. Confira os premiados aqui.

Se a pandemia nos distancia fisicamente dos outros, de alguma forma ela nos aproximou de inúmeras mostras e festivais de cinema que se adaptaram ao formato on-line para acontecer. A continuidade desses eventos é importante para mantê-los no radar da comunidade audiovisual, do público interessado e das políticas públicas que possibilitam que eles aconteçam. O Curta Canoa – Festival Latino-americano de Cinema de Canoa Quebrada, que teve sua última edição presencial em dezembro de 2017, retomou as atividades dessa vez no formato virtual, graças ao fomento da Lei Aldir Blanc/CE, encontrando no caos da pandemia a esperança de se reestabelecer como ponto de exibição e discussão de filmes. A parceria com a Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine) reforça a importância de olhar para festivais para além da capital, em que o cinema possa fluir para todos, todas e todes.


Sem a lua brilhando no céu do polo de lazer de Canoa Quebrada, espaço que recebe uma tela gigantesca e exibe a programação ao ar livre para os moradores e convidados da praia paradisíaca, o Curta Canoa ressurgiu de forma modesta pelo YouTube, trazendo mais de 20 curtas-metragens brasileiros para a programação. Talvez por conta dos três anos fora do circuito, a curadoria fez um apanhado de obras realizadas entre 2017 e 2021, em que o fator ineditismo não fosse urgência do evento. Assim, foi possível juntar tanto filmes que já fizeram sucesso em outras telas, quanto produções que acabaram de sair do forno, elaboradas dentro do contexto da pandemia. Uma delas é a comédia “Assintomáticos” (DF), de Santiago Dellape, que, se apropriando de um humor rápido e político, conta a história de uma mulher que resolve fazer turismo pela Capital Federal em pleno surto de Covid-19. O desempenho da atriz e também realizadora Cibele Amaral colaboram para o tom sarcástico com que o filme enxerga as pessoas que confrontam a gravidade de uma pandemia, enquanto faz uma volta completa sobre a crise política do Brasil e do mundo em sete minutos de duração.


Enquanto “Assintomáticos” é fruto de dribles para filmar uma história ficcional com as restrições impostas pela pandemia, os curtas-metragens “Introdução aos Estudos Oníricos” (CE), de Amanda Pontes, e “Pequenas Considerações Sobre o Espaço-Tempo” (CE), de Michelline Helena, premiados pelo júri da crítica da Aceccine, se debruçam na experiência de isolamento e provável solidão de suas criadoras. Como lidar com a nova reconfiguração do mundo durante e após a Covid-19? A resposta ainda pode estar em processo, mas estas e outras produções nos falam sobretudo da vontade de continuar filmando porque a arte não é só refúgio. A arte é vida que pulsa para todos os lados, enquanto lá fora muitos corpos morrem sem oxigênio. O cinema é também a forma de respirar no meio do caos, de se desligar do todo para pensar nos microcosmos que as imagens podem render. Essencialmente intimistas e de curtíssima duração – três minutos cada –, ambos podem nos afetar de formas distintas, até mesmo por estabelecerem uma forma narrativa própria – com recortes, colagens, escavações de memórias, depoimentos pessoais e políticos – que dança a partir do emparelhamento das imagens narradas com profunda sensibilidade pelas experientes diretoras.


O cinema está sempre sobrevivendo às adversidades do tempo, dos espaços e da história. Em toda a sua cadeia produtiva, desafios são superados para que o corte final chegue aos olhos e ao coração do público. Existe uma luta gigantesca em todo esse processo que nem sempre se vê em tela. Ver um festival tão precioso e inclusivo quanto o Curta Canoa acontecendo à distância nos traz o conforto que a pandemia nos privou no último ano. Saber que os filmes estão ali, feitos e exibidos para tanta gente pela internet, mantém a esperança de que ainda estamos respirando. O desejo é que o Curta Canoa não demore mais três anos para acontecer e que as políticas públicas não virem as costas para a difusão do audiovisual no interior do Estado. E que o nosso próximo encontro possa ser na praia, com o vento beijando o nosso rosto, os filmes tocando o nosso coração e o aconchego que só Canoa Quebrada tem.

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