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Eric Magda

Dossiê IV Cinefestival Russas: habitando o inabitável

Eric Magda integrou o Júri da Crítica do IV Festival de Cinema do Vale do Jaguaribe


A trajetória de uma mãe não é uma de fácil caminho, especialmente em meio a diferentes opressões presentes na nossa sociedade. Marilene é uma mãe e, assim com muitas outras mães pretas, ela tem pleno conhecimento de como a sociedade não é doce ou bondosa com os seus. A personagem é o fio condutor da narrativa do curta ‘Inabitável’ dirigido por Mateus Farias e Enock Carvalho, presente no IV Cinefestival Russas. A trama nos conduz na busca de uma mãe por sua filha, sem a certeza de um reencontro.


A população negra e travesti é uma população muito atingida por violência de inúmeros lados, muito antes de uma pandemia agravar ainda mais esta situação. A filha de Marilene é uma travesti e, ao longo do filme, a busca dessa mãe se torna algo cada vez mais angustiante de se acompanhar exatamente pela forma como inúmeras vezes essa história já foi contada. Acompanhamos a atriz Luciana Souza dando vida à Marilene, à suas dores, medos e preocupações em relação à sua filha Roberta. Cada momento é um aperto maior no peito, com medo de Marilene descobrir um possível destino fatídico de sua filha.


Dando uma pausa na narrativa do filme e como ela é contada, observar a natureza política da história e como há sim uma preocupação visível com a infeliz realidade com a qual vivemos. Através de uma história protagonizada por mulheres pretas, cis e trans, de forma política se visa fazer um grande alerta sobre as muitas vidas LGBTQIA+ perdidas, especialmente as pretas. Uma relação de amor e preocupação e, acima de tudo, respeito de Marlene com sua filha é outra forma política de revelar uma possibilidade não muito vista para relações entre pessoas trans e suas mães.


Subvertendo as expectativas da forma mais criativa possível, o filme opta por brincar com a ficção e a realidade. Talvez estejamos de fato atrasados para um local onde a regra não seja a morte para corpos dissidentes e é importante pensar por esse lado. O suspense trabalhado ao longo do curta termina por seguir um final inesperado e altamente influenciado pela ficção científica. Existe uma importância histórica para a narrativa existir em meio a um mundo tão assolado de dores, mortes e preconceitos.


Mesclando ficção com realidade, a obra traz também a presença de outros talentos como o da atriz e multi-artista recifense Sophia William. Quando se trata de uma obra com um peso tão monumental para narrativas envolvendo pessoas trans é necessário ressaltar os talentos de pessoas trans presentes nas mesmas. Em mais formas do que uma, o filme brilha com esperança para um futuro, de diversas formas. É importante o medo dentro da história pois esse medo não é um medo ficcional, esse final feliz não é sempre o final destas histórias.


Pessoas estão sumidas até hoje. Muitas mães ainda não encontraram suas filhas, isso num mundo ainda muito atrasado do ponto de vista social. Afinal, a sociedade e as pessoas que deveriam proteger são muitas vezes as responsáveis por matar, maltratar e causar dores.


Estamos atrasadas.

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