Vinicius Augusto Bozzo integrou o Júri da Crítica do IV Festival de Cinema do Vale do Jaguaribe
Pensar no futuro é um dos grandes potenciais da arte audiovisual. A linguagem que une sons e imagens parece, a cada dia, aumentar sua capacidade de tornar real a imaginação. Durante muito tempo, a ficção científica foi um gênero pouco viável para o Brasil. Isso porque, em uma visão rasa, o exercício “de futuro” só seria possível com naves voando, espécies diversas de seres extraterrestres e muita computação gráfica. Algo impossível de se acessar, em tese, para os produtores independentes do cinema nacional. Na contramão do senso comum, uma boa parte dos filmes em exibição da Mostra Competitiva de Curtas Nacionais do IV Festival de Cinema do Vale do Jaguaribe tem o futuro como protagonista.
Os filmes mostram, de maneira geral, que é possível fazer ficção científica, futuro distópico ou ficção de especulação com orçamentos reduzidos, muito talento, criatividade e trabalho. Entre os filmes que caminham nessa trilha estão “Abjetas 288” de Júlia da Costa e Renata Mourão. O filme todo em preto e branco, com trilha sonora eletrônica e ruidosa, mostra a busca de Joana e Valenza por uma cidade nordestina que seria uma possibilidade de tranquilidade em meio ao caos. Ironia e personagens performáticos se unem para falar sobre meritocracia em um futuro não tão distante.
Aliás, no presente, são construídas ficções que flertam com o impossível e o quase inimaginável mesmo tratando de assuntos tão nossos e atuais como é o caso de “Preces Precipitadas de um Lugar Sagrado que Não Existe Mais” de Rafael Luan e Mike Dutra. O curta cearense leva o personagem principal a uma existência paralela onde encontra outros personagens do futuro e do passado da nossa linha do tempo. Juntos, eles têm a possibilidade de reconstruir um mundo onde jovens negros não sejam mais assassinados e não sofram o racismo que, infelizmente, atravessa os tempos.
Não é à toa que o curta vencedor do prêmio do Júri Oficial, Inabitável de Matheus Farias e Enock Carvalho, também propõe um drama ao suscitar a possibilidade de um desaparecimento ser, na verdade, uma abdução para um lugar habitável. O filme é tecnicamente executado com excelência e mostra a importância de um bom elenco capazes de dar a verossimilhança necessária. A marcante atuação de Luciana Souza deu a ela o prêmio de melhor atriz. Ela faz a mãe que procura por Roberta, sua filha trans desaparecida.
Entre os documentários na programação do Festival, a pesquisa de bons materiais históricos com montagens reflexivas foi a tônica. “Pátria” de Lívia Costa e Sunny Maia e também de “A Morta Branca do Feiticeiro Negro” de Rodrigo Ribeiro são bons exemplos. Os dois filmes foram escolhidos pelo Júri da Crítica como Melhor Curta Cearense e Melhor Curta Nacional, respectivamente. O primeiro traz materiais de arquivo, fotos e uma narrativa forte sobre a história da nossa pátria e como ela reverbera pelo tempo. Uma espécie de discurso, desabafo e força que coloca o espectador para pensar. Extremamente pessoal e ao mesmo tempo universal. Já Rodrigo Ribeiro utiliza de uma maneira singular a carta de Timóteo, um escravo negro que se suicidou. Somado aos sons angustiantes, o documento serve como base para uma montagem visceral de fotos do nosso passado escravista brasileiro.
O IV Festival de Cinema do Vale do Jaguaribe mostrou a força cinematográfica de produções feitas pouco antes da pandemia e algumas outras feitas durante a pandemia. Por esses fatores, elas trazem a inquietação do momento presente. Quer seja falando do futuro ou do passado, o festival mostrou mais uma vez que o audiovisual é presente, preciso e atual.
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