Como criar um mundo que queremos ter? Esta reflexão me tomou diante da 18° Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual e de Gênero (For Rainbow). Tivemos nesta edição, exemplos do cinema presente na concepção da vida, daquela onde se pode crer na prevalência do amor, no fortalecimento dos laços de amizade e na força simbiótica presente entre diversidade e felicidade.
A Mostra competitiva do festival surpreendeu, não só pelo corpo fílmico de diversos países, mas também com suas narrativas de lutas (Ferro’s Bar / Orlando, Minha Biografia Política), de construção e fortalecimento de laços afetivos (Tudo que importa / Trânsito) de perdão e reconciliação (Bem-Vinda de Volta / Além-Mar), de religiosidade (Pedagogias Da Navalha), e transformação (Raposa / Peixe vivo).
Pensando na da linguagem cinematográfica como meio de propor uma perspectiva diferente sobre o mundo LGBTQIA+ jovem, temos o exemplo do curta Xavier e Miguel, no qual acompanhamos a relação entre dois garotos, sua amizade e o início de algo mais, a partir de atividades corriqueiras em uma vivência de poucos dias juntos.
Ricky Mastro, diretor desta interessante obra, utiliza de uma narrativa pautada na potência do jogo da dramatização e brinca com o real e o ficcional. Seu principal objetivo, aqui, reside na quebra de expectativas para surpreender o espectador acostumado com histórias de rejeição e desrespeito. O que presenciamos é o afeto e o respeito prevalecer a questões que não devem ser mais consideradas problemas. Neste caminho, a direção traz o espectador para perto, propondo uma experiência empática e reflexiva sobre uma realidade possível.
Outro filme que se destacou na mostra foi Capim-Navalha, documentário que, apesar de ter uma construção clássica, traz um cenário muito particular e distinto. O longa de Michel Queiroz coloca na tela depoimentos de seis pessoas trans e suas histórias de autodescobrimento e afirmação, tendo como pano de fundo a Chapada dos Veadeiros. E é neste lugar onde vivem, aprendem, e constroem sua realidade de re-existência.
O que mais surpreende é a relação destas figuras com a natureza e a religiosidade. As narrativas reais dão ao corpo fílmico uma potência inigualável. E a grandeza dos personagens e seus depoimentos, se igualam aos belíssimos planos da paisagem natural, espelhando força, vida e renovação.
Por último, não posso deixar de falar no grande ganhador da noite, Tudo o que você poderia ser, do diretor Ricardo Alves Jr, que venceu o prêmio de melhor longa-metragem. Neste belo conto de amizade, acompanhamos as amigas Aisha, Bramma, Igui e Will, presenciamos momentos descontraídos, de amor, cumplicidade e acolhimento entre elas.
Preservando o nome das atrizes, o diretor propõe uma obra sincera e coerente, na mescla entre o real e ficcional, tomando como base as próprias vivências das atrizes para a criação das personagens. E é lindo ver o jogo cênico entre elas. A impressão é de que estamos acompanhando apenas uma parcela do mundo que sonhamos já ser uma construção.
Então, venho passar a diante minha inquietação: de que modo podemos fazer da expressão do cinema um lugar para criação de um mundo melhor, mais respeitoso, mais afetuoso e diverso? O conjunto desses filmes me parece uma boa chave na respostas dessa questão.
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