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Ávila Oliveira

Crítica | Centro Ilusão

Música é combustível das relações humanas em encantador road movie bairrista.


Dois músicos, de gerações diferentes, se conhecem em uma audição para um concorrido laboratório de música da cidade de Fortaleza. Tuca (Fernando Catatau) tem 50 anos e se sente frustrado com sua carreira. Kaio (Bruno Kunk), 18 anos, é aspirante a artista que sonha em fazer sucesso com suas próprias composições. Para além de teorias e teses sobre a representação do real na arte, no cinema, e dos incontáveis neorealismos, alguém pode afirmar que estamos diante da consolidação de uma nova fase do realismo contemporâneo no cinema brasileiro pós-favela movies. Os mais recentes longas da produtora cearense Marrevolto Filmes e da mineira Filmes de Plástico levantam este estandarte que é seguido por outros. São filmes precisos e enxutos, e até mesmo mais curtos do que a média comercial – mas não menos profundos e contemplativos –, bem musicados e que apreciam um bucolismo urbano, sempre centrados nas relações humanas e periféricas, e no naturalismo do homem e de seu entorno.


Em Centro Ilusão, o cineasta Pedro Diogenes que há pouco nos presenteou com o encantador A Filha do Palhaço (2022), traz mais uma vez a cidade de Fortaleza, mais especificamente o Centro, como personagem que dialoga diretamente com os protagonistas interpretados atenciosamente por Fernando Catatau e Bruno Kunk. Como num filme de estrada que passeia dentro das infinitudes de um espaço limitado, Tuca e Kaio se conhecem e se descobrem no decorrer de um dia e mostram suas vulnerabilidade, pessoais e profissionais, que o fizeram chegar àquele ponto comum de suas vidas. No curto espaço de tempo Tuca acaba por se tornar a figura paterna informal de Kaio, e Kaio vira o antagonista de tudo que Tuca tinha como verdade e propósito em seu atual momento. Em diálogos fluidos e ilustrados, o elo entre eles toma forma a medida em que seguem pela jornada que já tem um final demarcado, mas que não possui percurso definido, seja concreto ou metafísico.


E caminhando junto a isso tem a música que une e impulsiona todos os outros personagens que somam ao sensível argumento. Centro Ilusão é um musical sem números caros e bem coreografados, sem firulas visuais e plásticas, mas com tanta intensidade nas vozes de quem interpreta as canções que mesmo quaisquer desafinações e deslize no tom contribuem para a construção do “real” já citado. Pedro Diogenes sempre usou com primor o artifício das músicas como catalisador da narrativa, algo que Michelline Helena e Amanda Pontes trouxeram também recentemente em Quando Eu Me Encontrar (2023).


Inquestionavelmente é o longa mais maduro de Diogenes em se tratando de padrões convencionais de refinamento técnico. A montagem com cortes exatos e as transições que gracejam com elegantes sobreposições dão ainda mais personalidade ao trabalho. É elegante ao mesmo tempo que acessível, possui enunciado quase que referencial tamanha clareza do texto ao mesmo tempo que valoriza sempre a função emotiva, e permanece como uma doce melodia elaborada cuidadosamente para persistir em nossa mente. É de um lirismo sonoro (com um desenho de som impecável), visual e sentimental que transborda as delimitações da tela.

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