Texto por Rodrigo Passolargo
“E essa merda que as pessoas que nós amamos vão existir para sempre dentro de nossas memórias, de nossos corações, é ainda pior. Não há conforto nenhum. Apenas dói. Não cicatriza nunca."
A personagem Vera declama sua reflexão junto à mesa com seu neto Caio como se estivesse reproduzindo os sussurros de um fantasma, indicando as várias visitas que a minissérie Caminho de Volta fará.
Ambos terão que viajar até a cidade de Quixadá (CE) para encontrar uma pessoa que pensavam estar morta há tempos. E pelo semblante de Vera, não será um agradável encontro, pois como o próprio nome diz, é um caminho de volta que se fosse possível, não faria novamente. E muito menos transmitir de tal forma para sua próxima geração, no caso de Caio.
O que se segue nos três episódios é um processo de metástase de um passado que luta nas memórias de quem passou para ser repassado e revivido de alguma forma. Como indica o processo nos três títulos: a "Verdade" do fato, da informação, da pessoa não morta, da notícia desagradável que toma forma do “Fantasma”, onde traumas são revividos que buscam a reencarnação diante da situação que necessita ser encarada. A minissérie que inicia no abalo da condição do Esquecimento e por ora sua importância, já que nunca sofremos hoje da mesma forma que sofremos no exato momento da dor de ontem. Se a memória resiste, é fragmento diante do esquecimento de fragmentos também. A alusão das areias ao tempo nunca foi tão objetiva: espalhadas, longe, fracionadas diante das ventanias da distração, mas continuam lá.
Essas memórias são informações essenciais de um passado coletivo, de experiências próprias e de outrém. De um recorte social, político, histórico que necessita ser repassado para quem não viveu. E nem assim é isento da dor, pois a função das aflições na minissérie não são somente consequências da recordação, mas consequências da ferramenta intelectual para juízo.
Caminho de Volta não tem intenção de distinguir estados mentais, mas adentra no que Aristóteles diz em examinar o exercício do pensamento diante da rememoração. Em “Despedida” deixa aberto com excelência o questionamento desses processos, por mais que seus propósitos sejam respondidos pelas dores.
Não são recordações como abstratos da imaginação.
São reminiscências como substratos da história.
Rodrigo Passolargo é roteirista, escritor, produtor cultural cearense e crítico de cinema. Formado em Economia e graduando em História, com pesquisa voltada ao regional nordestino, cultura popular e armorial.
Caminho de Volta é uma produção da Iluminura Filmes, com apoio do Governo do Estado do Ceará através da Secult, Porto Iracema das Artes e Instituto Dragão do Mar. A minissérie foi exibida no canal Cine Brasil TV
Comentários