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Arthur Gadelha

Alvorada (2021): Dilma e um filme que poderia ser seu

Estreia nacional no 26º Festival É Tudo Verdade, novo filme de Anna Muylaert com Lô Politi se contenta com a observação do acaso

O primeiro documentário de longa-metragem na carreira de Anna Muylaert é também o seu projeto mais "sem sua cara", o mais modesto de sentidos: Alvorada, codirigido com Lô Politi, é o mais novo pertencente da prolífica filmografia brasileira sobre os bastidores políticos pós-2016. No contexto da ruptura democrática com a queda de Dilma Rousseff, filmes como O Processo, de Maria Augusta Ramos; Democracia em Vertigem, de Petra Costa; e Excelentíssimos, de Douglas Duarte; tentaram entender algumas das várias esferas que influenciaram aquela ferida medonha na democracia brasileira, sensação hoje convertida num trauma bem amargo. Alvorada, por outro lado, para o bom e para o ruim, é tão especial quanto genérico se comparado aos demais porque ele não "procura" entender qualquer coisa frontalmente.


Gravado entre maio e setembro de 2016, Muylaert e Politi acompanham a rotina burocrática do Palácio da Alvorada, casa presidencial oficial, que parece bastante calma enquanto ao redor tudo desaba. Esse desastre, curiosamente, nunca chega na tela do filme, nunca pulsa, se não apenas no ato da defesa de Dilma lá no final quando o relato para o Senado é filmado à distância sob olhares quietos e estruturalmente alheios. As reuniões, conversas informais, chamadas telefônicas... todos os elementos palpáveis dessa narrativa não constroem algo além da curiosidade, além do desejo de buscar referências sobre a casualidade desse contexto, talvez atrás de capturar a "humanidade" de uma presidenta deposta de seu cargo sem crime de responsabilidade.


Gosto muito da palavra que a Anna Muylaert usou pra "traduzir" o filme: "experiencial" - ela parece sintetizar de forma sincera todas as coisas que o filme é, tudo o que ele não é, e aquilo que ele nem tenta ser. Isso porque não só a narrativa é recheada de observações quietas sobre o funcionamento quase técnico do palácio, como também há na forma dessa "história" um registro bastante instável, desajustado, precário de som e até mesmo de imagem. Ao propósito principal, no entanto, até isso também parece valer a pena: a "experiência" de um filme estar assim tão perto de um momento histórico e de forma visivelmente urgente.

Ou seja, mesmo que não tenha um propósito objetivo - e nem acho que seja possível o ter no contexto em que foi registrado - seu olhar ainda é bastante curioso por tornar essa fisicalidade do poder numa realidade sem cerimônias. Alvorada não procura usar sua personagem para qualquer conflito além do que todos nós sabemos e nem para construir, de fato, um microcosmo à lá Frederic Wiseman. Este não é um filme de discurso, protocolar e muito menos descritivo, apesar de se apresentar como tal, pois são poucas as imagens raras que empregam novos significados a personagem de Dilma Rousseff. Uma espécie de "filme-caminho", um arquivo talvez muito mais no seu sentido original da palavra, um registro singelo sobre a pertinência inesgotável de uma pessoa injustiçada pelas próprias ferramentas "democráticas". Mas é como disse acima: é isso que o filme é, não tem muito pra onde fugir. Principalmente, é exatamente isso que o filme sabe que ele é.


Crítica publicada pelo Autor no site Ensaio Crítico

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