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Kamilla Medeiros

18º Noia: Cinema é feito de política, é sobre política, tudo é política


Em um ano marcado pela extinção do Ministério da Cultura, sendo suas atribuições incorporadas, desde novembro de 2019, à pasta de Turismo, o que esperar de um governo que não reconhece o básico da nossa expressão como prioridade? Não é possível esperar um cenário amistoso para quem vive de arte no Brasil quando toda a nossa cadeia produtora audiovisual foi afetada pelo desastroso e irresponsável Governo Bolsonaro. O que levou três décadas para se construir, desde a redemocratização do Brasil, através de articulação social, fomento e estratégicas de acesso à cultura, em poucos meses está sendo ceifado e asfixiado por grandes cortes de investimento público no âmbito do cinema nacional; inúmeras tentativas de censuras descaradas empregadas pela nova administração da Agência Nacional do Cinema (Ancine) estão sendo notícia e motivo de grande revolta; circuitos inteiros de Festivais e Mostras de cinema, em todo território brasileiro, prejudicados com orçamentos irrisórios, sendo preciso, muitas vezes, campanha coletiva de arrecadação de doações para a realização dos eventos – a exemplo do Anima Mundi, o maior festival de cinema de animação do País.

Infelizmente, a 18ª edição do NOIA – Festival do Audiovisual Universitário não saiu ilesa dessa situação. É impossível não tocar nesse assunto. É necessário. Nos anos anteriores, as sessões e os debates contaram com a presença do corpo estudantil selecionado nas mostras competitivas, estudantes das mais diversas partes do País se encontravam em Fortaleza. O que não aconteceu neste ano, apenas quem representava as produções locais compareceu ao Sesc Fortaleza – outra mudança notável dessa edição, que até então acontecia no Cinema do Dragão. Lamentável esses tempos de retrocesso em nossas políticas públicas que não incentivam o diálogo crítico, a realização e a distribuição das nossas produções. Não por acaso que os temas políticos e sociais, quase por unanimidade, deram o tom da curadoria da Mostra de Cinema Brasileiro. E não seria para menos, afinal, entre os documentários e as ficções exibidas, ficou evidente o exercício emergencial em resposta aos debates que se descortinam hoje em nosso País. Das violências mais variadas e praticadas às culturas, às etnias tradicionais, aos corpos, à Vida; das urgências do cotidiano e do que aparenta ser banal numa festa de aniversário, num bar com karaokê ou na sala de espera de algum setor de RH. Enfim, por esses e outros motivos tocados nos filmes que a produção universitária exibida no Festival se apresenta como uma resistência anticolonial, uma espécie de ponta de lança frente às provocações do mundo, ou, parafraseando um dizer do movimento estudantil, é nessa vivência que se sustenta o trabalho de base da nossa práxis.

É ali onde se experimenta, se duvida e se deseja, no exercício pleno dos sentidos dessas palavras. É uma formação, afinal. Mas não se trata apenas disso. Nunca é só isso. A tentativa de abordar nos filmes, na maioria das vezes, apenas o aspecto temático (apesar de sincera e necessária relevância), nos conta também como anda a produção universitária atual, preocupada com o tema, mas deixando a desejar na execução formal (do set de gravação à ilha de montagem), e, assim, nos expondo uma fragilidade da nossa formação acadêmica e técnica em cinema/audiovisual. Em tempo, não é por se tratar de produções estudantis que não devemos esperar grandes coisas. Eu sempre espero o melhor de alguém que cursa o ensino superior numa universidade ou frequenta cursos livres (ainda mais se for instituição pública). A saber: rigor e criatividade não se repelem. Ainda bem que há espaço e vez para que possamos apontar essas fragilidades, não como mero comentário raso, e sim, como desejo de que nossas escolas de cinema se aperfeiçoem mais e mais, seja em pesquisa, seja na prática, seja no exercício de crítica e curadoria. Precisamos ser melhores, nos fortalecer e re(existir). Em um apanhado geral da Mostra de Cinema Brasileiro, tivemos o número de 13 curtas-metragens selecionados, dos quais 06 foram da Região Nordeste; 05 do Sudeste; 01 do Centro-Oeste e 01 do Sul. A Bahia e o Rio de Janeiro foram os estados com mais representantes na programação, 03 filmes cada. Outro aspecto observado foi o número muito baixo de mulheres que assinaram a direção, apenas 04 em comparação com outros 10 diretores homens. No emaranhado dos filmes, dois deles se destacaram de longe: o documentário carioca, “Copacabana Madureira” de Leonardo Martinelli, que merecia ter ganho o prêmio de Melhor Montagem do Júri Oficial; e o grande destaque do Festival, a ficção pernambucana “O verbo se fez carne” de Ziel Karapotó, que levou o título de Melhor Filme dos Júris Oficial e da Crítica. Espero visitar a 19ª edição do NOIA em tempos e condições melhores para a nossa cultura. Fica aqui a esperança que nossas críticas pulem dos papéis e das telas e que se façam carne também nas ruas e aonde quer que o cinema nos alcance.

Kamilla Medeiros integrou o júri Aceccine do 18º Noia - Festival de Audiovisual Universitário, em dezembro de 2019. Confira os filmes premiados.

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