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João Gabriel Tréz

Greta (2019), de Armando Praça


"Eu convido vocês a abrirem seus corações e, sem reservas, recebam nossos personagens", pediu o cineasta cearense Armando Praça ao apresentar o longa “Greta” antes da primeira exibição da obra no Brasil, que ocorreu na competição do 29º Cine Ceará. Protagonizado por Marco Nanini, o filme segue a história do solitário Pedro, um enfermeiro homossexual que, para abrir um leito no hospital para uma amiga transexual que está doente, acaba levando para casa um paciente que está sob escolta da polícia após ter agredido outro homem numa briga. Falando de solidão, afeto, amizade e envelhecimento, o filme se constrói de forma lenta e honesta. A frontalidade de algumas abordagens, porém, de fato pede que o espectador esteja aberto e disponível à obra.

“Greta” começa estabelecendo a condição de saúde de Daniela (Denise Weinberg em trabalho primoroso), a amiga de Pedro. Levado por ele ao hospital, a mulher tem problemas renais e está em situação delicada. Nos primeiros minutos do filme, a situação-chave proposta pela sinopse já acontece - ainda que de forma demorada, trabalhada. A partir da ida de Jean (o cearense Démick Lopes) para a casa do protagonista, "Greta" se desenrola debruçando-se nas relações de Pedro com Daniela e também com o recém-chegado.

Econômico, o filme constrói lentamente uma dramaturgia que dignifica suas personagens. As relações expostas no longa - em especial a de amizade entre Pedro e Daniela - são filmadas de maneira cúmplice e zelosa. Em interpretação ao mesmo tempo vulnerável e forte de Nanini, o personagem central do filme se encontra abalado com a possível perda da amiga e, a partir disso, aposta na presença de Jean como uma espécie de escape. Construído em cima de silêncios e com clima melancólico, o filme não procura o melodrama e prefere apostar na contenção. Ainda que Pedro seja uma figura solitária, porém, ele tem relações bem honestas com a própria sexualidade - algo que o filme também aborda com honestidade, dedicando bons minutos a sequências que falam e mostram o sexo sem ressalvas.

Visualmente, o destaque vai para a fotografia de Ivo Lopes Araújo. Um filme quase sempre de interiores, “Greta” traz nas imagens sensações de sufocamento e solidão. O formato da tela, mais próximo do quadrado, reforça o tom de contenção do longa. As personagens são também, muitas vezes, filmadas “dentro” de emolduramentos criados a partir de elementos do cenário. Além disso, também são muitos os planos que optam por fechar em detalhes e partes dos corpos em cena. Por fim, destaca-se também o trabalho de luz, baseado em contrastes. O filme é escuro, mas colorido, a partir da presença de diferentes luzes artificiais em tons avermelhados ou arroxeados, por exemplo.

O nome “Greta”, finalmente, vem da admiração que o protagonista nutre pela estrela de cinema Greta Garbo. Além de ser reconhecida pelas atuações, a atriz também tem no imaginário popular a fama de ter sido extremamente solitária. “I want to be alone” - “eu quero ficar sozinha”, em português - é uma frase dela que Pedro repete em determinada cena do filme. No decorrer da trama, percebemos que a solidão ao mesmo tempo desejada, repelida e temida por Pedro é, enfim, também uma tentativa de permanecer em um local incômodo, mas sabido - como cantam Otto e Céu em "O Leite", "medo do desejo / do desejo de ficar". A frontalidade consigo, enfim, é desafiadora e pede um reencontro de si mesmo. É deste processo - invariavelmente individual, é claro, mas também felizmente marcado por afetos coletivos - que fala “Greta”.

Publicado no portal O Povo Online

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