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  • Arthur Gadelha

Rocketman (2019), de Dexter Fletcher


É energia insaciável que faz o empolgante "Rocketman" parecer obra-prima. O impacto imediato se dá porque essa espécie de cinebiografia sobre Elton John escolhe o que muitos deveriam escolher ao se infiltrar numa vida artista: o formato, narrativa e poesia estética de um musical. Claro, a menção se refere a inevitável comparação com "Bohemian Rhapsody", o que até parece honesto porque neste de agora há todo o respeito e coragem que faltou ao vencedor do Oscar.

A figura desse Elton que vemos surgir nos primeiros minutos assumindo-se "viciado em drogas" é forte pela representação do mundo que o formou: fama, dinheiro e sucesso que o levam numa aventura de irrealidade, algo que Lady Gaga cantou em "The Fame", seu primeiro álbum pop sobre a sombra de ser esse tipo de pessoa rica. É o mesmo mundo em que Freddie Mercury e tantos outros astros do rock "perdidos" pela década de 1970 brilharam. É exatamente esse universo que sobrevive no background de Rocketman, um filme grandioso pela magia que assume diante símbolos traumáticos tão partes da indústria. É a brutalidade e secura dessa vida que, apesar disso, consegue ser absolutamente sedutora.

É inteligente por parte de Dexter Fletcher ter essa abordagem, porque pondera o contexto denso que envolveu o crescimento de seu personagem com a arte representada aqui como a insistência do sonho. Em uma cena muito especial, Elton literalmente flutua com a plateia, e não tinha como ser mais fiel à realidade. Esse dispositivo de expôr musicalmente as sensações permeia toda a obra, e Fletcher abusa da invenção nos planos e transições para fazer a plateia lembrar que essa história é principalmente uma fantasia, uma história que é também de amor, aceitação e, por mais que enfraqueça por conta disso, superação.

O roteiro de Lee Hall é esperto por entender isso, saber abandonar a realidade no momento certo para abraçar o que vem depois, peculiaridade que, por exemplo, falta a "Across the Universe", simpático musical "dos Beatles" que está mais preocupado em encaixar a música tal no contexto tal do que contar uma história. É claro que até o que julgo ser a "realidade" é uma ficção, e a obra se torna até maior - isso porque na romantização comum ao gênero, talvez exista pouca diferença entre o que parece verdadeiro e o que sabemos ser magia. Com essa estrutura, "Rocketman" acontece muito rápido diante dos olhos e, por duas horas, vemos Elton crescer, cair, descobrir e perder a si mesmo.

Nessa desenvoltura, Taron Egerton é de uma presença arrepiante, cuja simpatia é responsável por domar todo o caminho que o filme se arrisca. É perceptível que aqui acolá arranha no maneirismo da boca e dos olhos, mas a construção em si é muito interessante. Ao assumir também a voz de Elton nas canções, Taron se contenta em criar um novo personagem, legitimamente "baseado em fatos reais", que impressiona o público com uma atuação que encontra na caricatura uma fisicalidade cativante - não demonstra tanto interesse em imitar, mas em dar voz e pulso às inúmeras sensações que atravessa. É um personagem ativo e ainda mais real quando encontra a fantasia.

Enquanto musical-raiz, a obra esbanja da criatividade técnica para maquinar números musicais de tirar o fôlego. Ainda na fase da infância, quando toda a casa começa a cantar sobre um amor em luto, fica claro qual nível de ambiência que será adotada a seguir, mas isso não significa que busque um padrão. Ora esbarra na psicodelia envolvendo diferentes cenários e personagens, ora mantemos os pés no chão. Essa decisão faz perceber que todas as milhares de vezes que Elton entra no palco com roupas das mais espalhafatosas, cada interpretação se torna um encanto carinhoso sobre tudo que viveu - é claro, como ninguém pensou nisso antes, que a vida de Elton é naturalmente um extenso musical de sentimentos.

É uma pena que justamente por querer dar sentido para além dessa fantasia, a obra escolha um último caminho tão cafona em todas as perspectivas. Assusta que essa jornada precise encontrar um desfecho, e principalmente que se devote à narrativa da superação captada como um 'confronto ao passado'. Essa ideia está no filme desde o seu start e rende bons momentos de efusão, mas sintetizá-la novamente como um clímax parece preguiçoso, principalmente porque decide construir um tom melodramático ainda não utilizado dessa maneira tão fria e fácil até aquele momento.

"Rocketman", no entanto, mantém sua energia intacta após esse deslize e deixa uma plateia apaixonada pois dois Eltons Johns. O daqui de fora, que é posto sob um prisma de desconfortável redescobrimento, e o da tela, tão apaixonante e empático quanto. Assim como saí pronto para ser criança após "Han Solo - Uma História Star Wars", é muito fácil sair da sessão de "Rocketman" querendo continuar ali naquele sonho. Ser, quem sabe, um astro da música mundial, mesmo que isso signifique atravessar tantas sombras pelo caminho.

Publicado pelo Autor no site Quarto Ato

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