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Arthur Gadelha

Inferninho (2018), de Pedro Diógenes e Guto Parente


Há uma magia imediata nas imagens de "Inferninho", filme de Pedro Diógenes e Guto Parente que finalmente chegou aos cinemas brasileiros - em 21 cidades, bom destacar, um feito memorável. Quando Luizianne canta, e conhecemos muito rapidamente o bar em sua condição de claustrofobia, os personagens surgem para dar um tom de decadência tão mágica quanto afetuosa. Desconfiei cedo que poderia me apaixonar por aquelas figuras, e a fábula se expõe de modo sincero: a passividade dos clientes se torna desconfiança com Jarbas, o marinheiro que já chega oferecendo um amor fixo a quem queria fugir dali.

Ambientado apenas no bar, o roteiro de Diógenes e Parente com Rafael Martins tem o desafio de conter num mesmo espaço todo o subtexto de pertencimento que se constrói sobre Deusimar, a proprietária do Inferninho que está sempre à espera de alguma coisa. Essa questão se fortalece na contradição, quando ela cogita se desfazer de um espaço que é precioso para tantos desajustados da cidade que encontram naquele inferno o (des)conforto perfeito.

É justamente nesse ponto que surge um contexto de identidade mais complexo, por exemplo, que "Aquarius" (2016), de Kleber Mendonça Filho. No pernambucano, Clara podia pegar uma praia ou viajar para a Grécia quando bem entendesse, e sua resistência ao apartamento tinha a única ligação da memória. De outro modo, o inferninho de Deusimar tanto pode ser um espaço de fuga quanto uma permanência capaz de castigar, uma pressão de afetos pela qual não se permite partir sozinha. É por aí que se constrói a claustrofobia emocional, bem mais significativa que a física, responsável por pressionar o seu destino.

Apesar de todos aqueles que dividem um gole de cerveja ao som de Luizianne todas as noites, o inferno é de Deusimar e Inferninho se transveste de parábola sobre fugir talvez para dentro. Tudo acontece ali, no balcão, no palco, nas mesas ou no quarto, expondo uma engenhosidade absurda de teatralidade e fotografia que põe a obra num equilíbrio muito interessante de realismo e fantasia. Essa percepção se confirma com a inserção cautelar dos participantes daquela que ainda não se reconhece como família. O Coelho, por exemplo, é um gancho de inocência e esperteza que impõe a urgência do afeto e da coragem à história de Deusimar.

Aliás, há uma brincadeira bonita na caracterização desses brilhantes bêbados do Inferninho; estão fantasiados de Mickey, Homem-Aranha, Darth Vader, Wolverine, todos personagens que “não pertencem” àquele espaço, que assim como Jarbas vieram de muito longe. Vieram para que? O Inferninho é o final da linha? Perguntas engraçadas de se pensar, principalmente com a reviravolta de Deusimar ao fim justamente em direção “ao longe”.

Inferninho, afinal, não é um filme sobre territorialidade, mas um ensaio especial sobre a beleza desse nosso inferno, um lugar de conforto diante de todos possíveis defeitos e sonhos mal sucedidos que possamos reconhecer mas que, apesar disso, pode se tornar uma sufocante e desesperadora prisão. Mas há o amor, essa coisa tão clichê e devastadora em nossas vidas que é justamente quem pode equilibrar a contradição desse espaço. O amor que Deusimar descobre com a ajuda do Coelho, no entanto, é muito maior do que possamos prever para essa história que, no fim das contas, é apenas sobre poder existir.

Publicado pelo Autor no site Quarto Ato

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