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  • Thiago Sampaio

Pantera Negra (2018), de Ryan Coogler


É fácil nos dias de hoje falar de representatividade. E de fato, um longa-metragem da Marvel Studios com um elenco praticamente todo formado por atores negros é, no mínimo, louvável. Mas o mérito da produção dirigida por Ryan Coogler (“Creed: Nascido Para Lutar, 2015) é não se sustentar nessas causas. O longa abraça todas as vertentes dos blockbusters do gênero e, usando da máquina comercial da Disney como triunfo, “Pantera Negra” (Black Panther, 2018) se torna um “filme de super herói” muito importante para os dias atuais.

Na trama, após a morte do rei T’Chaka (John Kani), o príncipe T’Challa (Chadwick Boseman) retorna a Wakanda para a cerimônia de coroação. Nela são reunidas as cinco tribos que compõem o reino, sendo que uma delas, os Jabari, não apoia o atual governo. T’Challa logo recebe o apoio de amigos e familiares. Juntos, eles vão à procura de Ulysses Klaue (Andy Serkis), que roubou de Wakanda um punhado de vibranium, alguns anos atrás, para evitar que essa luta se transforme em uma guerra mundial.

O roteiro do próprio Coogler, ao lado de Joe Robert Cole (do independente “Amber Lake”, 2011) se beneficia com o fato de o personagem já ter sido apresentado em “Capitão América: Guerra Civil” (Captain America: Civil War, 2016), sem se preocupar em contar a origem. Há uma breve introdução sobre a exploração de matérias primas em Wakanda e a tradição dos reis “Panteras Negras”, que logo será aprofundada ao longo da projeção. E esse é o principal mote: trata-se de um longa sobre valorização da própria cultura.

O respeito aos reis, a justiça na igualdade do “desafio supremo”, o ritual de se enterrar na areia para confrontar os mais profundos anseios, tudo é mostrado. E como Wakanda é deslumbrante! Mesmo falhando em certos momentos pelo exagero do uso da tela verde e CGI, os cenários que remetem ao continente africano, com fotografias abertas mostrando o sol soberano, montanhas e cachoeiras, animais, trazem uma beleza natural como um contraponto a todo aquele aparato tecnológico do fictício país.

Tudo isso beneficiado pela excelente trilha sonora de Ludwig Göransson, que conta com típicos sons do continente africano, os afrobeats, com diversos tipos de percussão (que ganham força com a roupagem de música eletrônica), além das músicas de Kendrick Lamar, Snoop Dogg, Baaba Maal e SZA, com muito hip-hop.

Usando essa África poderosa e omissa do resto do mundo, é inevitável a analogia com a atual situação dos Estados Unidos e a implicância do presidente Donald Trump com a questão dos refugiados. Afinal, Wakanda detém de uma tecnologia capaz de promover diversos tipos de avanços ao mundo, mas, prefere se fechar para “os de fora”. Tudo bem implícito, encaixado de maneira estratégica para quem quiser enxergar, sem estragar a diversão de quem está pagando ingresso para ver lutas e explosões. O preconceito com a terra vista apenas como ponto de exploração pelos “países de primeiro mundo” fica escancarado na primeira cena pós-créditos.

O que é mostrado é uma terra em que as tradições são honradas e as mulheres são fortes, tão guerreiras como os homens que ali estão. No momento em que o vilão impõe ameaça, elas se juntam fazendo um cerco para o combate. A representação maior é Okoye (a ótima Danai Gurira, a Michonne de “The Walking Dead”), que se mostra fiel às leis do país (mesmo que não concorde com as mesmas), e, se estiver convicta das ações, não ousa em desafiar até o marido W’Kabi (Daniel Kaluuya, de “Corra!”, fazendo aqui um papel bem clichê). A irmã do protagonista, Shuri (Letitia Wright, promissora), é a mente genial por trás dele, podendo até rivalizar com Tony Stark no futuro.

Mas, no fim das contas, estamos diante de mais um filme da Marvel que vai vender bonecos e instigar para “Vingadores: Guerra Infinita” (Avengers: Infinity War, 2018). Tem a rotineira aparição de Stan Lee, frases de efeito que soam até brega e o drama familiar, de uma maneira geral, não convence. As cenas de ação até funcionam, mas exageram na artificialidade (o uso de computação gráfica continua gritante). A primeira aparição do herói e a perseguição de carro posterior, apenas não empolgam.

No fim das contas, são mesmo os momentos com menos pirotecnia que chamam atenção, como as lutas corporais pelo trono de Wakanda ou mesmo a guerra (sim, se trata de um filme de guerra!) no clímax, pois ali os efeitos estão bem aplicados na batalha, até nos “rinocerontes tecnológicos”. Há de reconhecer que os movimentos do Pantera (beneficiados pela falta da capa existente nos quadrinhos) funcionam dentro da sua proposta. É entendível o fato de o diretor Ryan Coogler comandar pela primeira vez uma superprodução com tais tipos de recursos, além da necessidade de atender às demandas do estúdio, o que o limitou a criar embates mais “intimistas”.

No elenco, Chadwick Boseman confere ao rei T’Challa a realeza que ele merece, apesar de ser amenizado pelo fabuloso elenco. Lupita Nyogo’o, Forest Whitaker, Angela Bassett, todos ótimos como de costume. O mesmo vale para Andy Serkis e Martin Freeman, que ironicamente aqui são a “cota racial” dos brancos. Serkis, desta vez longe de personagens virtuais, exala ironia e sarcasmo como um traficante que só que ver o mundo pegar fogo (com direito a cantar “What is Love”, do Haddaway). Freeman, retorna como o Agente Ross que, o que parecia ser apenas um complemento para fomentar a exploração de Wakanda, se mostra bastante importante para o desenrolar da trama.

Mas se um dos principais defeitos deste universo da Marvel era a falta de vilões marcantes (além de Loki, que extrapolam no uso da imagem dele), aqui eles têm um destaque e tanto. O Erik Killmonger, vivido por Michael B. Jordan (repetindo a parceria com Ryan Coogler de “Creed”), rouba a cena sempre que aparece. Apesar das atitudes errôneas por causa da violência, o espectador é perfeitamente capaz de entender sua suas intenções e até certo ponto até torce por ele. Marcante até a fala final, Jordan entrega o melhor de si, misturando a emoção e a raiva necessária. Não à toa se inspirou em produções sobre jovens negros do gueto, citando inclusive o Zé Pequeno (personagem de Leandro Firmino da Hora, de “Cidade de Deus”, 2002) para compor o complexo personagem (e olha que a reviravolta sobre sua identidade é o que menos importa).

Ao ver uma criança negra moradora do subúrbio se deslumbrando com um tipo de tecnologia e perguntando para o T’Challa quem ele é, temos ali o recorte da ideia que Ryan Coogler quis transmitir. Funciona como superprodução. Temos mais um exemplar de super herói cujo poder é o dinheiro que o permite usar armadura e vários tipos de apetrechos. Mas por permitir a diversidade do público que ali se espelha, sem apelar para discursos moralistas, é digno de aplausos.

Publicado pelo Autor no site Tribuna do Ceará

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