top of page
  • Thiago Sampaio

Nasce Uma Estrela (2018), de Bradley Cooper


Em certo momento, um personagem diz que “Música é essencialmente qualquer nota entre doze oitavas. Doze notas e a oitava repetição. É a mesma história contada de novo, e de novo. Tudo que um artista pode oferecer ao mundo é como ele vê aquelas doze notas”. Essa metáfora, além de refletir sobre a situação do casal principal, brinca com a própria realização deste “Nasce Uma Estrela” (A Star Is Born, 2018). Afinal, nada mais é do que a quinta versão desta história, cujo primeiro longa foi lançado em meados de 1932 e, a última, em 1976 (estrelada por Barbra Streisand e Kris Kristofferson).

Mas o ator Bradley Cooper faz jus àquela citação em sua estreia como diretor, conseguindo fazer da produção uma montanha russa de emoções, embalada por excelentes canções. Não tem nada de criativo, mas a forma como ele conduz a tão batida história nos faz ter apego pelos que estão em cena (mesmo que seja como fã de algum artista que admiramos). Como se não bastasse o apelo midiático da cantora Lady Gaga (que já havia sido premiada pelo bom trabalho no seriado “American Horror Story”) para promover a obra, aqui ela tem uma estreia como protagonista digna de aplausos.

Na trama, Jackson Maine (Cooper) é um músico de rock no auge da fama. Um dia, após deixar uma apresentação, ele para em um bar para beber. É quando conhece Ally (Gaga), uma cantora amadora que ganha a vida trabalhando em um restaurante. Ele se encanta pela mulher e seu talento, decidindo acolhê-la e incluí-la em seus shows. Ao mesmo tempo em que Ally ascende ao estrelato, Jackson vive uma crise pessoal e profissional devido aos problemas com o álcool e drogas.

Como era de se esperar, o roteiro de Cooper, ao lado de Eric Roth (“Forrest Gump”, 1994) e Will Fetters (“Um Homem de Sorte”, 2012) não tenta reinventar a roda. Se trata de mais um romance, intercalando entre conquista, ápice, queda e redenção, não necessariamente nessa ordem. Tem umas frases de efeito (“eu queria ver você mais uma vez” é batata para fazer os mais sentimentais suspirarem) e não foge dos estereótipos dos roqueiros bêbados e frustrados. Pelo menos aqui, funciona dentro da proposta. Ele não perde tempo e já parte para o que interessa, pois não demora para a dupla se conhecer e até mesmo a canção emblemática que os une é logo apresentada sem maiores delongas.

E é justamente a direção de Bradley Cooper que não deixa o ritmo cair, ainda que balance nos tropeços básicos de principiante, como o excesso da dispersão de luz para transmitir a adrenalina ou o tempo excessivo (136 minutos) que poderia perfeitamente ser enxugado. Em geral, ele parece ter controle da situação como poucos marinheiros de primeira viagem. Logo na sequência de abertura, ele parte de um foco numa garrafa de bebida alcoólica para um travelling de câmera no início de um show, captando a energia de todo um estádio que vibra e somos jogados ao estado mental do músico, que em êxtase, ainda se mostra em condição de oferecer um som que transcende.

E se ao mesmo tempo ele pesa a mão de maneira proposital em momentos decisivos, atenuando os tons de vermelho, ele sabe captar a delicadeza em planos singelos, como o toque de Jack no nariz de Ally (o que ela acreditava ser o seu maior defeito) ou a sensualidade com que ela desliza uma flor sobre o próprio corpo ao interpretar uma dificílima música de Édith Piaf. Sim, há incoerências como Jack ter feito uma melodia, para todos os músicos, a partir de um refrão que ouviu na noite anterior, e incluir no repertório do show seguinte para uma multidão, só para conquistar a menina que ele viu só uma vez (e sequer tinha a garantia que ela iria ver), algo que não fazia o perfil dele. Porém, são detalhes fáceis de se relevar.

Muito porque a dupla principal tem uma química excelente, de modo que criamos empatia, mesmo sendo nítida a imensa discrepância entre eles. Apesar dele ser um músico consagrado e em aparente decadência por causa da dependência química, Jack tem toda uma carga familiar nas costas, envolvendo traumas do passado e a difícil convivência com o irmão mais velho (Sam Elliott, numa atuação merecedora de indicação para o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante), com quem tem uma mistura de relação paterna e rivalidade. Ally é uma moça com um talento absurdo, porém, sem tantas oportunidades na vida, até que enfim encontra a chance ao lado de Jack. Naturalmente a gratidão/carinho dela por ele os move, ao passo em que a carreira deles seguem rumos opostos. E num mundo machista, obviamente ele se incomoda com a ascensão da mulher.

Isso tudo serve para contextualizar a melhor atuação da carreira de Bradley Cooper (sim, melhor do que o ótimo “O Lado Bom da Vida, 2012; e do supervalorizado “Sniper Americano”, 2015). O chamariz maior pode ser Gaga, mas ele aqui se mostra digno de todos os elogios e uma eminente indicação ao Oscar (pelo menos de Ator…). Com voz grave e sotaque caipira do Arizona, ele não se limita a imitar um bêbado, mas imprime todo o desespero de quem ali dentro quer explodir reações, apesar de o corpo não acompanhar. É perceptível que as intenções para com Ally, seja como companheira ou artista, são as melhores possíveis, mas o cérebro não consegue transmitir de tal maneira. E por captar tamanha complexidade, Bradley consegue “se dirigir” de maneira que talvez não conseguisse mostrar o enorme talento caso tivesse outro diretor no comando.

Lady Gaga? O talento vocal dela é algo inquestionável. Para quem ainda achava que era só mais uma cantora pop, ela está aqui para mostrar que canta de maneira que beira o divino. O roteiro parte para a metalinguagem ao mostrá-la firme em manter sua autenticidade, ao passo em que vai se transformando numa figura popular e cheia de cores (porém, por opção dela própria). Ela é desconstruída e mostra tranquilidade ao encarnar a inocência de alguém de origem humilde, mas que nunca perde a personalidade própria, até nos momentos mais extremos. Quando o talento dela escoa cantando, sabemos que ali está atuando magnificamente bem. Além dessas momentos, ela consegue trazer empolgação, tristeza, desespero de maneira bem convincente. Talvez consiga uma indicação à Melhor Atriz ao Oscar e não seria injusto (já ganhar é bem improvável).

Como se trata de um filme sobre músicos (algo bem diferente de um musical, diga-se de passagem), todas as canções, em sua maioria composta pela dupla de protagonistas, são de muita qualidade e despertam o desejo de ouvir a trilha sonora logo ao sair da sessão. “Shallow” já chega com fortes chances de levar a estatueta de Melhor Canção Original, com direito a apresentação de gala de Cooper e Gaga no Dolby Theatre. O momento da execução de “I’ll Never Love Again” com certeza vai fazer alguns olhos que assistem desidratarem. Se baladas como “Diggin’ My Grave” chamam o repeat, o rock progressivo tocado por Bradley vai agradar em cheio aos fãs do estilo. “Black Eyes” e “Alibi” contam com riffs de guitarra que grudam na memória e a voz do ator, que não é encantadora como a da sua parceira, combina com o estilo “sujo” do seu som.

Ao final, ninguém vai ter conferido nenhuma produção inovadora. Mas mesmo reunindo tantos clichês, os ingredientes são organizados de maneira convincente e não deve decepcionar quem já sabe o que está indo assistir. Jackson Maine e Ally garantem uma mistura de sentimentos e sons com resultado bastante agradável.

Publicado pelo Autor no site Tribuna do Ceará

bottom of page