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Larissa Bello

Infiltrado na Klan (2018), de Spike Lee


Doutrinação comunista, fake news, racismo, homofobia. Não, esse texto não é sobre as últimas eleições presidenciais do Brasil. Porém, esses mesmos temas estão presentes na mais recente produção do diretor americano Spike Lee, e não poderiam ser mais pertinentes como o atual momento do Brasil e do mundo.

Os filmes de Lee são conhecidos por sempre abordarem questões sociais e raciais. Desde “Faça a Coisa Certa” (Do The Right Thing, 1989), ele vem imprimindo um estilo próprio de linguagem fílmica. O diretor utiliza alguns recursos que são suas marcas próprias. É constante em seus trabalhos vermos cenas onde algum ator fala olhando para a câmera, como se estivesse dialogando com o espectador. Ele também faz uso de um recurso chamado dolly shot, onde coloca o ator/atriz em cima de um dolly (carrinho utilizado para movimentar a câmera). Além da simbólica frase “WAKE UP!” (acorde!), que sempre é dita por algum personagem, como se fosse uma sacudida para que prestássemos atenção no que realmente está acontecendo dentro da narrativa.

“Infiltrado na Klan” (BlacKkKlansman, 2018) é baseado em uma história real dos anos 70, quando um policial negro chamado Ron Stallworth, conseguiu se infiltrar na organização da Ku Klux Klan, na cidade de Colorado Springs, no estado do Colorado. O filme, que levou o prêmio do júri no Festival de Cannes 2018, consegue ser cômico e assustador ao mesmo tempo.

A abertura do filme é com um fictício Dr. Kennebrew Beauregard, interpretado por Alec Baldwin. Ele fala olhando para a câmera e com uma projeção ao fundo do filme “O Nascimento de Uma Nação” (The Birth of a Nation, 1915), de David W. Griffith. Para aqueles que não conhecem, este filme mudo foi uma grande produção dessa época, e é considerado de extrema importância para a história do cinema, devido suas inovações narrativas e tecnológicas. No entanto, sua história apresenta um teor violentamente racista e repugnante. O doutor da abertura do filme de Lee faz uso de uma linguagem recheada de jargões pseudocientíficos para “comprovar” teorias sobre a supremacia da raça branca e inferioridade dos negros e judeus. Apesar de soar um pouco performático e quase caricato, o discurso de Beauregard funciona para contextualizar o pensamento racista de determinados núcleos da sociedade. Sem falar na referência ao estilo de propaganda que era feito pelo partido nazista na Alemanha, que se valia do mesmo tipo de “profissionais” e “teorias”.

No ano de 1978, Ron Stallworth, era um jovem negro de 25 anos, que havia acabado de ser remanejado para o setor de Inteligência da Polícia de Colorado Springs. Num dia normal de trabalho, ele folheia o jornal local e vê um anúncio da Klu Klux Klan, com um número de telefone. Resolve ligar e cai em uma caixa postal, onde deixa um recado dizendo o seu interesse em se afiliar a organização. Segundos depois, o telefone toca e ele conversa com o presidente local da KKK de Colorado Springs. Nesse momento, Ron faz quase da mesma forma que o doutor no início do filme, ou seja, através do uso de uma “linguagem de branco” e do discurso ele consegue convencer o presidente de suas intenções e crenças a ponto de fazê-lo ter a vontade de conhecê-lo pessoalmente. É neste ponto que o filme cai para o viés cômico, afinal Ron é negro e não pode ir conhecer ninguém ligado a tal organização. A solução então é fazer com que outro policial, branco, de preferência, se passe por ele.

John David Washington foi o escolhido para interpretar Ron. John é filho do grande ator Denzel Washington e até pouco tempo era jogador de futebol. Largou a carreira de atleta e decidiu atuar a partir de 2015, quando estreou na série “Ballers”, da HBO, interpretando, ironicamente, um jogador de futebol.

O parceiro de trabalho de Ron, e que irá fingir ser ele, é vivido pelo versátil e talentoso Adam Drive, que também ficou conhecido através do canal HBO, com a série “Girls”, que terminou ano passado. Adam vem se consolidando cada vez mais no cinema, principalmente depois de interpretar Kylo Ren nos últimos filmes da saga Star Wars.

A parceria dos dois personagens vai além dos clichés dos filmes policiais, do estilo policial negro/policial branco, tais como “Um Tira da Pesada” ou “Máquina Mortífera”. Pois, eles precisam realmente entender a linguagem, cultura e vida um do outro. A interação é mais profunda, ao ponto de provocar em Flip (Adam Drive) a dor, o incômodo e a raiva ao sentir na pele o preconceito racial. Isso porque, no roteiro do filme, Flip é judeu e estes também são alvos de preconceito por parte da organização.

Outros destaques do filme vão para o ator Topher Grace (do seriado “That ‘70s Show”) que interpreta David Duke, o líder da KKK nacional, que passa a ter longas conversas com Ron por telefone, sem nunca ter desconfiado que ele seria negro. E da participação especial e emblemática do ator, cantor e ativista político, Harry Belafonte em uma das cenas mais fortes e aterradoras do filme. Terror esse que se faz apenas no teor narrativo, quando ele relata o caso de Jesse Washington, que é real e aconteceu no ano de 1916. Para dar mais ênfase a crueldade, a narrativa é colocada em montagem paralela com a cena do batizado dos novos membros da KKK.

Spike Lee finaliza o filme com cenas jornalísticas de um fato ocorrido na cidade de Charlottesville, no estado da Virgínia, no ano passado. Uma marcha de grupos da extrema direita, juntamente com neonazistas e membros da KKK se uniram para protestar pela retirada de uma estátua de um general confederado que era a favor da escravidão. Os manifestantes foram como se estivessem indo para uma guerra, portando armas de diversos tipos, escudos e outros aparatos bélicos. Em reação a tal manifestação, centenas de pessoas e de grupos antifascistas foram até a cidade para expressarem seus sentimentos contra os conservadores. Líderes religiosos, moradores da cidade e outros movimentos antirraciais também se juntaram para resistir a marcha da direita. O resultado foi de muita violência e culminou com um carro que acelerou por cima de inúmeros manifestantes pacíficos, deixando muitos feridos e três mortos. Spike Lee ainda mostra o pronunciamento do presidente Trump a respeito do ocorrido dizendo que havia violência dos dois lados. Em seguida mostra David Duke dando uma entrevista, enfatizando o que Trump proferia durante sua campanha e como ele iria tornar a América um grande país novamente. E sim, foi esse mesmo David Duke que disse que Bolsonaro soava como eles.

Ao final do filme ficamos com aquela sensação de tristeza por sentirmos o quanto o preconceito não só ainda se faz presente nos dias de hoje, como parece ter crescido e, o que é ainda pior, está mais organizado politicamente. É inegável que a violência racial e o preconceito sempre existiram, porém, esses movimentos da extrema direita se sentem legitimados pelo governante de seus países a praticarem tais atos agressivos. E é isso que realmente é mais assustador!

Publicado pela Autora no site Cine in Foco

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