“Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. A frase, repetida à exaustão em cada uma das seis adaptações do Homem-Aranha para o cinema, já afasta de cara toda novidade na franquia. E eis que chega (ou, no caso, chegará) 2019 e o cabeça-de-teia ganha uma nova versão.
Só que “Homem-Aranha no Aranhaverso”, de Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rodney Rothman, é um dos filmes mais criativos ao ilustrar os dizeres famosos do falecido tio Ben Parker. Depois de seis filmes, com três atores diferentes vivendo o carismático e azarado Peter Parker, temos a chance de começar de novo com o incrível Miles Morales. E com Peter Parker. E Peter B. Parker. E Gwen Stacy. E Peter Porker. E Peni Parker. E o Peter Parker Noir, claro.
Na sua essência, o “amigão da vizinhança” circunda uma série de conceitos. A solidão de um super-ser é um dos mais evidentes e é potencializado pela perda do mentor – tio Ben, na maioria dos casos. O interessante de “Aranhaverso” é que o filme dá eco à dor da perda de Miles Morales ao jogar o conceito de multiverso. O filme abre com o jovem latino e negro, popular na periferia do Brooklyn, mas que passa ao largo dos colegas na prestigiada escola onde estuda com bolsa. Nesse contexto, ele sai um dia com o tio para pixar muros, é picado por uma aranha, desenvolve poderes, conhece o Homem-Aranha e tal qual nos quadrinhos da série Ultimate, Peter Parker morre.
Só que é aí que surgem outras cinco pessoas aranha. O pseudo-niilista Aranha Noir, o humorístico Presunto-Aranha (ou Porco-Aranha), a forte Gwen-Aranha, o envelhecido Peter B. Parker e a futurística Peni Parker. Aí, fica claro o conceito, já presente no Homem-Aranha Ultimate, de diversidade, já que temos duas personagens femininas – uma delas asiáticas -, que se somam ao protagonista birracial.
E o interessante de Miles Morales passa muito por isso. Os dilemas dele não são os já desgastados de Peter Parker – bem representados pela versão envelhecida do personagem. Miles é negro e latino. Fala também espanhol e curte hip-hop. É genial, mas talvez prefira fugir da responsabilidade para ser mais próximo de pessoas parecidas com ele. E é um adolescente, algo que o Homem-Aranha não foi nas versões de Sam Raimi, com Tobey Maguire, e de Mark Webb, com Andrew Garfield.
Com o conceito de multiverso, os vários universos que colidem e se misturam, jogando versões alternativas de “pessoas-aranha” para a mesma instável realidade, “Aranhaverso” ilustra brilhantemente a figura do tio Ben sem nem mesmo mostrá-la. O Homem-Aranha Miles Morales é um conjunto de várias pessoas; as que ele perde, as que ficam, as que vão e as que virão. Um super-herói é alguém disposto a se levantar sempre e apanhar muito.
Até o vilão principal, desta vez Wilson Fisk, funciona no conceito de perda. O objetivo principal do Rei do Crime é reaver pessoas que ele perdeu. Miles, Peter, Gwen optam por seguir com aqueles que se foram dentro de si.
Para criar um universo único, rico de Miles Morales, o trio de diretores investe num visual bem autêntico da animação, bem puxada no Cel shading – técnica que deixa a animação tridimensional com aspecto de 2D. Somada à trilha sonora, carregada de hip-hop, e pelo próprio fato de Sony e Marvel terem optado por uma animação em vez de um live-action e “Aranhaverso” é bem efetivo em surpreender.
“Homem-Aranha no Aranhaverso” é mais do que uma das melhores adaptações do “teioso” para o cinema. É a melhor. E é candidato a melhor filme de super-heróis desta geração.
Publicado pelo Autor no blog Cinema às 8