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Arthur Gadelha

Han Solo: Uma História Star Wars


Era de se esperar que essa aventura inédita fosse apresentada como uma colcha de retalhos. Algo sem tom, ritmo, carisma ou foco, como a expectativa em torno de Chatô: O Rei do Brasil, uma xafurdaria que passou mais de 20 anos sendo montada. No caso da história estelar, tudo porque os diretores Phil Lord e Chris Miller abandonaram um navio que já zarpou com pouca credibilidade. Mas uma peça literalmente transformou o jogo. O já experiente Ron Howard entrou na direção provando ser um piloto ainda mais eficiente que o Solo de Alden Ehrenreich.

Com poucas informações, somos apresentados à personificação que Solo tanto teria na clássica atuação de Harrison Ford: um “garanhão” caloteiro apaixonado por aventuras. Antes mesmo de definirem o ator desse estranho investimento, formou-se uma resistência muito clara contra o projeto. Isto porque tanto a crítica, quanto os ditos fãs da franquia, duvidavam que alguém sobreviveria sob a pele de um dos personagens mais marcantes do ideário cultural no fim da década de 70. Questionaram a escolha de Ehrenreich, mesmo que tivesse interpretado um dos papéis mais sensacionais da carreira dos Irmãos Cohen, em Ave César (2016).

Mas não demora sequer um minuto de projeção para que o mesmo Solo surja sob os maneirismos sensíveis de Alden. Se já não bastasse a surpresa dessa comodidade, uma sequência arrepiante de perseguição, em seguida, faz lembrar que o Ron Howard do elétrico Rush - No Limite da Emoção está presente. A cena é um exemplo da ação que guiaria essa nova etapa das histórias "aleatórias" Star Wars: um filme que sabe ser ágil e urgente, sem precisar confundir, e que se permite simplesmente supor um envolvimento com os filmes clássicos. Apesar que existam grandes traços estranhos nessa obra: a sequência do monstro espacial e até mesmo a do roubo no trem, não fazem parte do “Manual George Lucas” de itens desse universo. É confortante que essas pequenas coragens (nas quais Lord e Miller talvez tenham escorregado) sejam abraçadas pela essência responsável pelo poder da franquia.

O sentimento das pequenas rebeliões diante um Solo “despolitizado” é muito interessante, apesar de pouco explorado. A resistência contra a escravidão imperialista, a humanidade dos droids, a ligação de Chewie com a revolta do povo Wookiee, além da implicação no clímax, são preocupações que não deixam a casualidade da obra se perder no tempo. Está tudo lá, o futuro com Leia, as guerras de escala universal, o filho que escolheria outro lado… Não fisicamente, claro, mas no imaginário em torno de um Solo tão inconsequente que, de repente, se reconhece influente numa missão ideológica.

A falta de atenção que vem recebendo, provavelmente seja porque esse não é um filme feito para causar nostalgia aos fãs mais antigos, ou promover novas teorias sobre o universo (uma pequena cena tenta isso). Han Solo é uma história construída para divertir e, consequentemente, elevar o leque de informações que tínhamos quanto seu personagem. É claro que por encurtar o propósito, o enredo encontra convenções angustiantes, como a conexão de Kira para entrar na trama. Se Deadpool estivesse no filme, talvez olhasse para a câmera em uns três momentos e dissesse: “Que roteiro preguiçoso”.

No entanto, há uma contradição benéfica nisso tudo. A formatação dentro e entre os atos, por exemplo, vai criando uma bagunça que conversa com a completa espontaneidade da existência do filme e da história que conta. É o tipo de desventuras em série que Solo viveria, percebe? Uma missão sem começo definido, motivações que se reconfiguram a todo instante, algo sem caminho ou fim, sem personagens fieis. A vida de Solo é uma constante viagem sem sossego, sem seguidores ou família (além de Chewie). O que vamos descobrindo, no entanto, é que esse caloteiro que já fala de dinheiro em uma das primeiras falas do filme, é, na verdade, o “good guy”.

Ao detectar isso com uma agilidade impressionante, Ron Howard guia essa obra com todo o aparato técnico de um bom filme de ação. Apesar de pouco memorável, a trilha sonora de John Powell, com “apoio cultural” de John Williams, consegue emular a energia dos principais momentos, como quando a Millennium Falcon finalmente encontra seus pilotos. A montagem levemente arriscada entrega à obra um timing que destoa do modo como, por exemplo, J. J. Abrams ou George Lucas fariam. Estou sendo injusto por não citar os primeiros pais do projeto, mas os encaixe nas bordas de toda citação a Howard.

Han Solo: Uma História Star Wars é uma aventura muito mais divertida que Os Últimos Jedi ou Rogue One pelo mesmo motivo que pode ser desconsiderada: a ausência de um propósito-mestre maior do que estender a franquia. Inclusive, as cenas que “justificam” sua existência são animadoras: a origem do sobrenome de Han, o primeiro contato com Chewie, o surgimento de Lando, além da aproximação das futuras ameaças que a galáxia correria. O gesto facial de Solo em resposta à pergunta se deseja continuar na jornada traz a clareza que, apesar das facilidades, o roteiro de Lawrence Kasdan (Império Contra-Ataca, Retorno de Jedi) e seu filho Jon, ainda se lembra da razão pela qual esse personagem se tornou tão importante: a jornada de Han Solo é eterna.

Publicado pelo Autor no site Quarto Ato

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