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André Bloc

Assunto de Família (2018), de Hirokazu Koreeda


Até por questões sociais, o cinema japonês se caracteriza, há décadas, por uma lógica minimalista. Com densidade populacional alta e com poucas locações, o País acabou obrigando seus cineastas a se adaptarem a cenários caseiros. Foi assim que nasceu e floresceu Hirokazu Koreeda, um dos grandes realizadores do Japão - e do mundo. Hoje, chega aos cinemas brasileiros Assunto de Família - ou Shoplifters, como ficou conhecido internacionalmente - o mais novo e tocante conto familiar do diretor de Ninguém Pode Saber (2004) e Depois da Tempestade (2016).

Assunto de Família é um drama familiar. Pai, mãe, tia, avó e uma criança dividindo um teto em alguma cidade perdida no Japão. Acontece que os provedores da casa vivem dos trambiques que o patriarca realiza tendo o filho como cúmplice. Ao fim de um destes pequenos golpes, eles descobrem uma menina, meio abandonada, meio maltratada, e decidem levar para casa. Lá, a mãe decide por bem criar a rebenta de outro berço. E, assim, a família ganha mais um membro, a pequena Juri (ou Lin, como decidem os novos pais).

E, assim, as crianças vão crescendo e aprendendo o pouco que os pais, Osamu (Lily Franky) e Nobuyo (Sakura Andô), têm a oferecer. De cena em cena, vamos entendendo as relações dos membros dessa curiosa família. Uma hora, o filho mais velho, Shota (Jyo Kairi), é instado a chamar Osamu de pai - ao que reluta. Noutra, a vovó Hatsue (Kirin Kiki) confessa que é melhor quando você escolhe sua família. E, diante de uma pobreza extrema, a casa vira um lar. Pelo menos, até que a vida aconteça e o mundo se imponha sobre aquele pedaço alegre de desajuste. Afinal, ainda que não da forma ideal, Juri/Lin tinha pais reais.

O bonito do filme de Koreeda é o quanto a obra se despe de julgamentos. Mesmo quando mostra o genuíno carinho entre os seis, Shoplifters nunca esquece dos atos hediondos dos progenitores. Mas o lugar nunca é de diminuir, de questionar. Já na direção de fotografia fica claro que o filme adota o olhar das crianças. E a elas só cabe reagir de acordo, não julgar.

Para detratores, Koreeda não passa de um "sub-Ozu". Ou seja, uma versão inferior do cineasta Yasujiro Ozu (1903 - 1963), um dos maiores da história e autor de Era uma Vez em Tóquio (1953). Verdade ou mentira, já é uma honra ser mencionado na mesma frase que Ozu. E Koreeda, em seus já 30 anos de carreira, conseguiu impor seu estilo e mostrar identidade. A semelhança fica no minimalismo e, claro, na qualidade. Há ali um misto de felicidade e tristeza, um questionamento do que é socialmente correto e do que realmente forma uma família. Tudo isso sem nunca deixar de ser palpável e entendível.

Apesar da discrição, Assunto de Família chega após uma bela carreira internacional. O ápice foi a Palma de Ouro do Festival de Cannes, considerada a principal mostra do cinema europeu. Nele, o filme desbancou obras de diretores como o chinês Jia Zhang-ke, o norte-americano Spike Lee, o francês Jean-Luc Godard e o iraniano Jafar Panahi. O filme foi ainda indicado ao Globo de Ouro e está na lista final do Oscar 2019. Isso tudo tendo sido um sucesso de público no Japão. Ou seja, Koreeda faz mais do que agradar aos críticos - e o filme tem 99% de aprovação, diga-se. Ele consegue conquistar quem se atreve a conhecer.

Publicado pelo Autor no site O Povo

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