
Mais do que refletir sobre a produção audiovisual universitária contemporânea, faz-se de urgente necessidade discutirmos e fomentarmos esses cenários frente a nossa futura (e por que não, atual?), conjuntura. Isto posto, chegamos ao saldo da 17ª edição do NOIA – Festival do Audiovisual Universitário. Das 31 obras apresentadas entre longas e curtas metragens, além de mostras de fotografia e apresentações musicais cearenses, o festival mostrou na pluralidade de trabalhos artísticos sua maior força.
Orientando nosso olhar mais especificamente ao cinema, vale salientarmos um recorte não menos relevante entre 21 curtas de diferentes estados que compuseram a Mostra Brasileira de Cinema Universitário. Divididos entre temáticas e gêneros distintos, os filmes trouxeram discussões a partir de abordagens sobre gênero e conflitos histórico-sociais. Dessas janelas, emergiram obras de enorme potência capazes de nos fazer refletir sobre nossos lugares em um mundo cada vez mais complexo e atravessado pela política.
Essa conclusão fora decisiva, por exemplo, à escolha de um filme como “Kris Bronze” (2018) para receber o Prêmio da Crítica concedido pela Associação dos Críticos de Cinema do Ceará (Aceccine). Atual e emergente a questões que nos são caríssimas no presente contexto sócio-econômico brasileiro, esta é uma obra destinada à permanência da memória audiovisual nacional. Ele não se encerra na sala de projeção. Permanece conosco além dela e por isso é referencial e necessária.
E se desaguamos na discussão sobre memória, impossível olharmos para “Inconfissões” (2017), “Magalhães” (2018) e “Memórias do Subsolo ou o Homem que cavou até Encontrar uma Redoma (2017), sem que a história nos puxe para o ponto onde o passado e o presente formam uma matéria simbiôntica do que somos enquanto seres políticos. A seu modo, cada um desses curtas nos fala sobre a improbabilidade de uma realidade que se ficcionaliza ante um futuro totalmente turvo e distorcido.
A distorção do olhar daqueles que, hoje, arrancam diariamente as máscaras da intolerância dos rostos, também são problematizadas em trabalhos como “Vidas Cinzas” (2017), “Latossolo” (2017) e “Primavera de Fernanda” (2018). Aqui, a abordagem do gênero e do poder ficam em primeiro plano. É o coeficiente político-social transposto em narrativas que fabulam uma distopia nacional daquilo o que ainda precisamos nos nutrir: tolerância e alteridade.
Colocadas essas demandas na tela, damos um passo imenso na luta pelo direito de afirmarmos identidades frente a cenários futuramente adversos. Por outra mão, entretanto, é preciso sermos cada vez mais justos e racionais no modo como lidamos com nossos afetos. Em se tratando do fazer e da análise da nossa cinematografia. E aí, não cabe sermos provincianos em nossas escolhas. Falar disso, enquanto cearenses, por exemplo, é tocar na improbabilidade de algumas decisões. Assim como fora a escolha do melhor filme eleito pelo Júri Oficial na Mostra Brasileira, uma vez que nada justificaria “Tommy Brilho” (2018) como vencedor nessa categoria.
Guardados nossos provincianismos, mais vale nosso racionalismo ante o objeto de análise. Podemos simpatizar com a obra e entender parte de suas decisões estético-ideológicas e sua relevância dentro de um contexto macro dimensionado, mas nada substitui a responsabilidade analítica de um júri frente a um leque de outros filmes tão potentes e referenciais como vimos neste NOIA. Sabe os filmes de que falamos anteriormente? Pois é, esses são os filmes-referência.
Essa é a autocrítica de que falam certas figuras públicas e que, mesmo inconsequentemente em toda a inconsequência que lhes são constitutivas, nos acendem o sinal necessário para estarmos sempre repensando nossas posições em uma contemporaneidade tão polarizada quanto esta a qual nos inserimos neste conturbado 2018. Mas os filmes resistem e nos são, incomensuravelmente, uma das maiores e mais fortes ferramentas de transformação do mundo.
Daniel Araújo integrou o júri Aceccine do 17º NOIA - Festival do Audiovisual Universitário, em outubro de 2018.