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  • Larissa Belo

O Processo (2018), de Maria Augusta Ramos


Na noite de 12 de maio (sábado), o Cineteatro São Luiz, no centro de Fortaleza, teve lotação esgotada dos seus 1.050 lugares para receber a pré-estreia do filme “O Processo”, que contou com a presença da diretora Maria Augusta Ramos para um debate pós sessão.

As sessões de exibição do documentário dentro e fora do país vêm sendo recebidas com enorme comoção. Maria Augusta acompanhou todo o processo do golpe de 2014 que resultou no impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Foram mais de 400 horas de material filmado e a excelente edição, que ficou por conta da montadora Karen Akerman, levou 6 meses.

Logo na primeira cena, vemos uma tomada aérea do Congresso Nacional, onde de um lado há uma multidão de roupas e bandeiras vermelhas, e do outro a multidão de verde e amarelo, com bandeiras do Brasil. Esta imagem de abertura funciona como um prólogo dos acontecimentos que virão. Antes de cada nova cena, uma cartela aparece com um texto explicando todo o passo a passo e os motivos dos quais levaram ao processo de afastamento de Dilma Roussef. Assim, o ritmo da produção vai sendo construído numa espécie de capítulos, como se estivéssemos lendo/vendo um livro de história da maneira mais ilustrativa possível. Fica claro que Maria Augusta deseja que o espectador tome conhecimento, de uma maneira mais aprofundada, e quase didática, como se deu todo andamento e organização que culminou na destituição da presidenta do país.

O filme opta pelo enfoque somente no Senado Federal e, como a própria diretora diz, delimita alguns personagens: No lado da defesa, temos a senadora pelo Paraná, Gleisi Hoffman, o senador do Rio de Janeiro, Lindbergh Farias, juntamente com o advogado José Eduardo Cardoso. No lado da acusação, temos a advogada Janaína Paschoal. Maria Augusta explica que ela conseguiu obter mais acesso para filmar a defesa do que a acusação. Lamenta não ter obtido permissão para filmar as reuniões de estratégia da acusação, da mesma forma que conseguiu com a defesa. Porém, mesmo que a parte da acusação fique apenas à Janaína Paschoal, esta já vale por todos juntos, dada a personalidade completamente desvairada desta advogada. A diretora conseguiu captar verdadeiras pérolas do comportamento da Janaína, como por exemplo, seus alongamentos antes de fazer o discurso, que soa quase como uma pregação evangélica ou o impagável momento que ela está tomando um Toddynho.

Um outro personagem curioso e extremamente importante dentro da narrativa proposta pela diretora, é a mídia. Ela sempre está presente em todos os momentos dos acontecimentos do filme. São câmeras, jornalistas nacionais e internacionais, coletivas e entrevistas. Maria Augusta mostra o aparato midiático como coadjuvante de um momento específico do país. Isso nos faz pensar no contraponto da linguagem jornalística de TV versus a cinematográfica, no caso filmes do gênero documentário. Uma vez que ambas buscam, dentro de uma conceituação simplista e genérica, o compromisso de mostrar a verdade de uma realidade, ou uma verdade da realidade. Dentre as inúmeras diferenças, a principal talvez esteja nos interesses por trás desses dois veículos.

Durante o debate, após a exibição, Maria Augusta foi indagada sobre como se deu o procedimento de negociação com os políticos para que pudesse filmá-los. Ela responde de forma enfática que não houve nenhum tipo de negociação e que não negociou com ninguém, nem de direita, nem de esquerda. Solicitou a todos que foram filmados que assinassem um documento de autorização de imagem e se respaldou para que eles não pudessem, posteriormente, reclamar ou acusá-la sobre o material adquirido. Tal postura da diretora torna ainda mais compreensível o fato dela optar em não creditar os políticos que aparecem no filme, nem os partidos os quais cada um é afiliado.

Maria Augusta conta ainda que estava na França quando soube o que estava prestes a acontecer no Brasil. Ela resolve então ir imediatamente para Brasília e formar uma equipe de filmagem. Relata que a produção foi bancada inicialmente com recursos próprios, já que os acontecimentos estavam em andamento e não poderia esperar todos os processos burocráticos para angariar recursos financeiros. Sentia que era um compromisso ético e, por isso, precisava começar as filmagens o quanto antes. E, provavelmente, seria quase inviável conseguir apoio junto aos órgãos federais para produzir um documentário sobre o próprio governo, em um momento tão crítico como aquele. Somente depois foi que conseguiu apoio do The World Cinema Fund, do Festival de Berlim (trata-se de uma cooperação entre o Setor Federal de Cultura Alemã com o Instituto Goethe que oferecem apoio financeiro a produções cinematográficas de outros países), e também do Canal Brasil que entrou como co-produtor.

A diretora não nega que o seu documentário, assim como todo filme deste gênero, é um olhar subjetivo de uma determinada realidade. Principalmente no momento da edição desse material, onde são feitas escolhas sobre aquilo que fica e aquilo que sai. Ao se tomar tais decisões, elas estão intrinsecamente ligadas a questões de responsabilidade ética e estética. Depois de um filme de ficção e uma série, também de ficção, pode-se dizer que “O Processo”, é o primeiro filme a apresentar de uma maneira mais honesta os fatos e contextos que envolveram a temática na qual se propôs abordar.

Publicado pela Autora no Cine em Foco

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