Em um mundo devastado por enormes criaturas, uma família luta pela sobrevivência. Os monstros são cegos, mas possuem uma audição superdesenvolvida e, portanto, foi necessário reinventar os hábitos mais banais, como a forma de se locomover dentro e fora de casa e, principalmente, a maneira de se comunicar: basicamente, a família dialoga por linguagem de sinais. John Krasinski, diretor e protagonista do filme, é especialmente conhecido pelo público por seus papéis cômicos, tendo conquistado prêmios SAG por sua performance na série "Vida de Escritório". O longa-metragem "Um lugar silencioso", uma composição equilibrada de drama e horror, é a sua primeira empreitada no gênero.
Logo de imediato, chama a atenção o seguinte paradoxo: uma história de horror em que as vítimas não podem gritar, já que mesmo pequenos ruídos atraem as criaturas. Partindo desta proposta, o filme nasce com o desafio de criar alternativas inteligentes para a nova realidade daquelas personagens, e surge com boas soluções. Outra dificuldade é o fator do isolamento, pois a família só pode contar consigo mesma até para necessidades fundamentais como cuidados médicos. O dever de proteger a família, em compensação, é predominante em todos os membros. Essa atmosfera intimista e profundamente doméstica remete ao recente "Ao cair da Noite" (2017), inclusive no que diz respeito à paranoia. Mas "Um lugar silencioso" é totalmente divergente no sentido de que as coisas acontecem – e como acontecem! Aqui praticamente não há os habituais respiros que entremeiam os momentos de ataque, e sim uma sucessão de cenas de perigo e vulnerabilidade. Ao mesmo tempo em que pode soar estranho numa reflexão sobre o filme, durante a sessão prende a atenção com muita eficácia.
Narrativamente econômico, é bem-sucedido ao utilizar recursos tradicionais como manchetes de jornais e outros escritos para situar o espectador das informações complementares acerca dos monstros, fugindo ao máximo de explicações excessivas e desnecessárias, a fim de evitar a comunicação verbal. Por este mesmo motivo, é especialmente narrado por gestos e intensamente dependente da imagem para contar a história, o que é feito com clareza.
Outro dos trunfos de "Um lugar silencioso" é o trabalho cuidadoso com o áudio. Temos pelo menos três instâncias: as pessoas que ouvem, uma pessoa surda e o próprio monstro, o que oferece diferentes possibilidades de áudio subjetivo. Uma das cenas mais marcantes é um momento romântico com um uso diegético bonito e delicado de uma música do cancioneiro popular americano.
Um tanto autoindulgente, o longa é fortemente marcado pelo sentimento de preservação da família – uma herança spielberguiana? – e por isso fica a um triz de resvalar no piegas, mas suas qualidades se sobressaem e fazem de "Um lugar silencioso" um dos filmes de horror mais interessantes de 2018 até o momento.
Publicado pela autora na Revista Les Diaboliques