"Uma Mulher Fantástica" (Una Mujer Fantástica, 2017) é o filme representante do Chile no Oscar 2018. Seu diretor, Sebastián Lelio é uma importante figura no cinema chileno, ao lado de Pablo Larraín. Seu último filme, "Gloria" (2013), traz o drama de uma mulher já na terceira idade que lida com problemas como solidão, afastamento e amor. Aqui, ele entrega um filme com um drama social em um mundo contemporâneo que é composto por sérios preconceitos de diversos segmentos da sociedade.
Em "Uma Mulher Fantástica", temos a história de Marina Vidal (Daniela Vega), uma mulher trans que enfrenta o duro preconceito explícito da sociedade após a morte de seu namorado, Orlando (Francisco Reyes). Além disso, Marina também enfrenta segmentos da sociedade que praticam um preconceito velado, disfarçado, que só é perceptível durante o filme pela protagonista e que chega até o público por meio da força narrativa e da atuação do filme. Essa mulher tem durante todo o filme seus direitos negados ou subtraídos, até mesmo o luto lhe é tirado por não ser aceita diante da família do ex-namorado morto.
Podemos dividir a análise por partes, no tocante à cinematografia ocorre o bom uso das tonalidades, a fotografia tenta dar um ar dualista, não só à personagem, mas em toda as ambientações do filme. Ao encontro disso, a câmera acompanha a personagem o tempo todo e o mais próximo possível, recurso bem inteligente para, não só mostrar o drama da personagem, mas também apostar, com sucesso, na força da atriz Daniela Vega que entrega uma das atuações femininas mais fortes de 2017 e injustamente esquecida nas premiações americanas.
A direção de arte acompanha bem as personagens, todos os figurinos, maquiagens e caracterizações estão bem consistentes com o próprio filme. A trilha sonora é bem trabalhada a fim de reforçar sentimentos e sensações da personagem, há uma cena memorável ao som de "(You make me feel like) A Natural Woman", de Aretha Franklin. Concomitante, a montagem do filme é bem discreta, mas competente na direção de entregar um filme com boa noção de raccord e continuidade.
O maior acerto do filme, contudo, vem de uma dobradinha direção e atuação. O diretor por conduzir bem uma narrativa que poderia transformar o filme em um grande estereótipo, muita parte do mérito dele está na forma em como escolhe abordar o tema e trabalhar em sua mise-en-scène, acompanhar a sua atriz o tempo todo foi a chave para transformar o filme do comum para o fantástico. Tudo isso só é possível graças a Daniela Vega, que interpreta a protagonista do filme. A força que ela dá à personagem é totalmente demonstrada por meio de suas expressões fortes. A dor, angústia, tristeza de Marina é quase palpável ao espectador durante a sessão do cinema, feito incrível para uma atriz com uma carreira tão curta, já que esse é apenas seu segundo filme. Uma pena uma atuação tão forte e premiada em diversos festivais ter sido esnobada no Oscar que desde 2008 não premia uma atriz que não tenha o inglês como língua nativa. Certamente teria um lugar claro na lista de indicadas a melhor atriz deste ano e partiria como favorita. Ela seria, ao lado Frances McDormand (Três Anúncios para um Crime), minha aposta para a categoria.
"Uma Mulher Fantástica" aposta, com razão, na força de sua protagonista e no talento de sua atriz. É um filme com um drama pesado que, se não fosse pelo bom senso do diretor e pela capacidade de Daniela, poderia cair facilmente no drama estereotipado. O longa-metragem representa bem seu país, fortalecendo ainda mais um cinema latino-americano que olha para suas questões sociais, políticas e intelectuais sem deixar de lado o drama e a singularidade das relações humanas.
Publicado pelo autor no site Só Mais Uma Coisa