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  • Arthur Gadelha

Lucky (2017), de John Carroll Lynch


Não imaginava que "Lucky" seria com tanta clareza um filme de despedida de Harry Dean Stanton, o homem silencioso do "Paris, Texas", e o modo como a direção estreante de John Carroll Lynch embarca nesse desafio é intimamente aconchegante. Dentre os elementos escolhidos para distanciar essa temática da lógica extrema, a afetividade é um sentimento que só é forte por estar em ambos os lados; dentro e fora da tela. Um filme que se engrandece pelo contexto em que se origina e, por conta do destino, que se finaliza.

O ambiente construído ao personagem de Harry é estranhamente acolhedor apesar da escassez de informação quanto ao seu espaço e até mesmo de sua história reduzida ao limite. Lucky vive sozinho, sem família e sem qualquer trabalho, numa cidade de aparência esquecida quase que transportada dos faroestes bang bang. A única coisa que preocupa Lucky, um homem idoso, é sua rotina respeitada à risca. Durante 90 minutos, segue suas tarefas diárias conversando com amigos de modo ainda irracional sobre o fim da própria vida.

De repente, o filme se torna explicitamente um adeus ao homem que partiu há três meses; o mesmo que numa extensa carreira foi de Wim Wenders a David Lynch. É curioso esse tipo de ambição porque em nenhum momento a premissa soa grosseira, nem mesmo em uma das apostas de conexão entregue no último minuto de projeção. Quando o próprio Lynch entra em cena como um dos amigos de Lucky, a emoção dessa união em personagens tão distintos de si é resgatada com uma sutileza invejável.

O roteiro de Logan Sparks e Drago Sumonja parte da necessidade de centralizar seu protagonista para preocupar-se com o equilíbrio dos outros personagens; cada um ponderado quanto à proximidade a Lucky, e suas respectivas influências. Pode se esperar que exista uma grande cena com Lynch pelo contexto dramático, por exemplo, mas ela acontece com um dos personagens mais improváveis.

Esses contornos constroem um ritmo estável diante objetos minimalistas tanto narrativos quanto estéticos. Não sabemos nada sobre a existência de Lucky até uma hora de filme, e o que se revela posteriormente não entrega respostas. No entanto, é suficiente para que perguntas sobre o passado surjam na individualidade de cada espectador. Como ele chegou ali? Que tipo de vida esse homem levou?

Essas dúvidas refletem à geografia de uma cidade que é compreendida por seu olhar. As calçadas, a lanchonete, o bar, a loja de conveniência, e a própria casa são espaços que se tornam personagens observadores dos milhares que passaram por ali antes de partir. Essa solidão está na luz tão seca quanto a terra, e até simbolicamente no cágado perdido. Lucky aposta nesses personagens que vão ficar após a partida, e talvez até mire em nossa calmaria por contempla-lo.

“Você está ótimo, é o seu corpo que não aguenta”. "Lucky" é uma reflexão pontual e ingenuamente óbvia sobre abraçar a vida, mas principalmente sobre compreender a nossa tão insuficiente finitude.

Publicado pelo Autor no Quarto Ato

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