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Dossiê | 11º For Rainbow


O Quebra-cabeça de Sara, de Allan Ribeiro

Entre vanguardas e intenções Por Daniel Araújo

O cinema é um exercício de inquietação e partilha de afetos. E esse foi um misto que perpassou essa 11ª edição do Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual - For Rainbow. Nesse ano, o evento trouxe mais uma mescla de produções que juntas, criaram um interessante mosaico audiovisual entre filmes de curta e longa metragens de diversos países.

Em uma curadoria que envolveu um universo que ultrapassou a marca de mil produções, 26 trabalhos foram escolhidos para compor as mostras de 2017. A pesar da pluralidade ser sempre bem vinda pela possibilidade de diálogos entre as obras, há de se considerar em maior instância o eco e impacto que o elemento filme deixa àqueles que com ele entram em contato. E é aí que desaguamos nos trabalhos do festival.

Porque falar de um recorte é dizer do quanto os filmes selecionados nas mostras do evento circulam num positivo polo, onde nem todos possuem forças equânimes. Longe de falarmos sobre gostos ou toda forma de subjetividade, mais vale nos atermos a um olhar objetivo mesmo. Ou seja, daquele pautado por motivações ativadas pelo o que é perceptível e justificado nos campos da forma e do sentido fílmicos.

Uma vez que olhar para um curta como o excelente "O Quebra Cabeça de Sara", de Allan Ribeiro, é notar toda uma potência, vigor e distinção em um fazer cinematográfico que se assume como exercício estético e temático.

Ele traz o desafio da linguagem dar conta da apresentação de uma estória em 10 minutos de duração e nesse intervalo de tempo lançar um debate sobre gênero, divisão de classes, racismo e preconceito. Tudo muito sutilmente sugerido por meio de um trabalho de fotografia, montagem e mise en scène brilhantes. Nos conectamos com esses personagens sem termos de julgá-los.

Ao seu lado, nem todos os demais curtas metragens conseguiram equiparar-se em termos de execução. Muitos esbarram, em sua maioria, em atuações bastante problemáticas, com personagens claramente pouco desenvolvidos, ou em premissas que não se justificam em seus próprios intentos, como vemos em "Jéssica", de Emerson Cursino, ou "O Chá do General", de Bob Yang.

Em uma outra perspectiva temos, por exemplo, um longa-metragem como "Música para Quando as Luzes se Apagam", de Ismael Caneppele. Pungente sem deixar de ser singelo, o filme é um certeiro estudo de personagem que tem na sua honesta forma de abordar a questão do gênero, seu grande ponto de distinção.

Como uma espécie de filme para além de seu tempo, o longa carrega consigo a mágica do cinema que rompe os limites da representação para apresentar personagens despidos de idealização e que abraçam, sem temor algum, o elemento da contradição como parte daquilo o que igualmente os formam enquanto figuras humanas.

Assim, esta 11ª edição do For Rainbow pode ser entendida como um encontro de um cinema imbuído de um espírito de vanguarda, por toda sua capacidade de olhar através das discussões que já estão postas. E também por uma cinematografia feita de intenções.

A intenção é sempre válida, mas nem sempre o filme se sustenta apenas nisso. É preciso mais que uma boa intenção para se afirmar uma obra audiovisual. E é ai que o rigor estético e da mensagem se sobressaem àquilo o que é, ainda, somente pretensão.

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Meu Corpo é Político, de Alice Riff

A importância de uma voz no cinema LGBT Por Gabriel Amora

Há exatamente onze edições, o For Rainbow quebra barreiras. O clichê, por mais sincero que seja, retornou em mais um ano em que precisávamos discutir a importância do cinema LGBT, que nada mais é do que cinema, como qualquer outro. A sua relevância, por outro lado, se destaca quando os tempos sombrios que vivemos oprimem a arte e a sua essência, como foi dito por vários cineastas convidados para apresentarem as suas obras.

A maior prova disso é a representação dos filmes escolhidos. O longa-metragem "Meu Corpo é Político", de Alice Riff, é um grande exemplo. Logo no título, a diretora nos desafia. Com uma temática documental, ainda que trabalhe com a ficção, a obra personifica vários casos paulistas; brasileiros; humanos. A sua essência está naquilo que é puro. A diretora, por meio disto, desenvolve camadas distintas de identificação para com todos que vivem o mesmo país injusto.

Já com "Lampião de Esquina", de Lívia Perez, e "Guigo Offline", de René Guerra, o cinema toma outro rumo. O experimental fica de lado, logo que as obras se desenvolvem de modo tradicional, mesmo quando relevantes em suas propostas. Enquanto isto, "O Tempo Feliz que Passou", de André da Costa Pinto, desenvolve um gosto agridoce e que, apesar de sua dramaticidade em elementos desnecessários, consegue encantar pelo intuito e texto falado. Entretanto, para longa-metragem, não teve outro tão arrebatador como "Música para Quando as Luzes se Apagam", de Ismael Caneppele. A obra é, assim como os outros, importante e necessário. Os motivos, por outro lado, fogem do comum. Não é um filme para se consumir; é um filme de sentir. É cinema em sua execução e necessário para a geração. Enquanto que a produção de Ismael é investida na câmera intimista e de detalhes, como se fosse um estudo longo de personagens, o roteiro desenvolve camadas que se destacam diante dos demais.

O modo de se criar cinema é relevante, assim como experimental. Com os poucos diálogos, o texto da obra nos faz refletir sobre a importância dessa discussão LGBT, do mesmo modo eficaz que fala sobre amadurecimento, nostalgia e sobre o queremos ser no dia seguinte. Isso, quando feito de forma mais original, faz com que o público, no mínimo, coloque a cabeça para ir além. O filme oferece um dever de casa de refletir o que foi visto e como foi visto. Aquela pancada que, por conta de sua competência técnica, faz com que o corpo fique com hematomas; no bom sentido, pelo menos. Os curtas-metragens, do mesmo modo, continuam o ritmo progressista do festival. "Maria", de Elen Linth, por exemplo, se mostra como um documentário de Manaus, com muita divagação e discussões sobre o que, como e quando devo assumir o meu corpo do jeito que ele é. Um discurso para todos os jovens. Já "Ano Passado Eu Morri", de Rodrigo de Oliveira; "Jéssica", de Emerson Cursino; "Manifesto Trans", de Viv Bruschz e Matheus Faria, e "Cartas para Eros", de Hebert Fieni, apesar de discursarem a grosso modo, não deixam de instigar e acompanhar o que não esperamos reavaliar.

O destaque vai, no entanto, para "O Chá do General", de Bob Yang, que desenvolve uma qualidade indiscutível em sua montagem e fotografia, que faz com que o filme fique com outro aspecto narrativo, ritmando com obras orientais, e para "O Quebra-cabeça de Sara", de Allan Ribeiro, que apresenta um estudo de personagem que personifica, sem dúvidas, grande parte dos brasileiros. A obra funciona como um espelho e a discussão, assim como o choque, faz o filme crescer como representatividade do tempo que vive.

As obras dinamizam e balançam o que conhecemos de festival. Podemos apontar, por exemplo, que até o filme mais comum apresentado tem algo a ser dito para a sociedade. A liberdade em forma de arte surge como um agregador absolutamente necessário para nós, desta sociedade castradora. Assim como o próprio festival, que desenvolve ideias para todos e que precisa seguir de modo eficaz nos anos a seguir. Um presente inesperado.

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Lampião da Esquina, de Livia Perez

Resistência

Por Hamlet Oliveira

Durante todo o 11º For Rainbow, a principal palavra de ordem foi "resistência". Em um ano onde o conservadorismo foi capaz de fechar exposições, censurar artistas e acusar a arte de "destruir a moral", a realização de um festival como o For Rainbow reforça a necessidade de diálogos amplos com a sociedade. Durante a mostra competitiva deste ano, que reuniu seis longa-metragens e 20 curtas com múltiplas nacionalidades, os filmes participantes conseguiram trazer toda a pluralidade que compõe as camadas da sexualidade do ser humano.

Um dos principais trabalhos apresentados na mostra competitiva, "Lampião da Esquina", de Lívia Perez, constrói com competência toda a trajetória de um dos periódicos mais únicos já produzidos no Brasil. Os relatos de Aguinaldo Silva, João Silvério Trevisan, Laerte, Ney Matogrosso e outros personagens conseguem apresentar para a audiência como foram os anos de produção do jornal, além de abrirem discussão sobre como era o espaço para o público LGBT na época.

Com artifícios gráficos modernos e um ritmo bem cadenciado, "Lampião" foi, de longe, o filme com mais estilo profissional a passar pela mostra, ao lado de "Guigo Offline", vencedor de melhor longa-metragem pelo júri oficial. Nesse ponto, o filme de Lívia Perez seria uma das escolhas mais óbvias para se sagrar vencedor frente aos outros competidores. Acabou não sendo a escolha do prêmio da Aceccine, mas foi contemplado na categoria melhor longa-metragem documentário pelo júri oficial do For Rainbow.

O didatismo da obra, por sua vez, atua tanto como fator positivo quanto negativo. Pouco fica para o espectador questionar sobre os fatos apresentados, pois tudo é muito mastigado e passado como verdade. Contudo, a clareza dos entrevistados durante a contação dos fatos contribui para o desenvolvimento de um relato coerente de todos os percalços e desafios enfrentados pelos realizadores do periódico. Por conta da acessibilidade, não me espantaria encontrar o filme em cartaz nos serviços de streaming disponíveis no mercado.

Dentro da proposta do For Rainbow, os relatos apresentados em "Lampião da Esquina" continuam a ressoar no cotidiano do Brasil atual. Nos encartes do jornal e de outros periódicos, é possível ver discursos semelhantes aos utilizados nos dias de hoje. Passeatas pregando uma suposta defesa da família, enquanto acusam os responsáveis pelo jornal de cometerem crimes, são ações realizadas pelos grupos conservadores nacionais em 2017, da mesma forma que ocorreram no passado.

Um dos filmes mais importantes apresentados no 11º For Rainbow, "Lampião da Esquina" segue um estilo padrão de documentário, sem ousar na forma em que conta seu relato. No entanto, a força dos discursos dos apresentados, aliada a importância destas discussões no momento atual vivido pelo Brasil, reforçam que a obra é necessária para descobrir um recorte pouco falado da luta do movimento LGBT.

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