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  • Pedro Martins Freire

Cine Holliúdy (2012), de Halder Gomes


Em seus curtos 115 anos de existência, o cinema tem sido tema de si mesmo nas mais diferentes vertentes. No entanto, pouquíssimos filmes trataram da crise vivida pelo cinema - ou mais diretamente, pelos exibidores - nos anos 60 e 70, a partir da chegada da televisão nas mais remotas localidades dos países, que culminou na decadência do circuito exibidor. Essa crise vivida pelos cinemas encontra-se registrada com maestria em três obras-primas. Nos Estados Unidos de "A Última Sessão de Cinema" (1971), de Peter Bogdanovich; na Itália de "Cinema Paradiso" (1988), de Giuseppe Tornatore, e de "Splendor" (1989), de Ettore Scola. Mas o cinema viveu esse momento também no Brasil. Na verdade, a crise, iniciada nos EUA na segunda metade dos anos 1950, progressivamente avançou pelo mundo nas duas décadas seguintes, quando as cidades do interior foram fechando os seus cinemas. Como resultado e consequência, a partir dos anos 1980 chegou a vez dos solitários cinemas de rua. Hoje, se não tem shopping na cidade, não tem cinema. É nesse contexto que se insere "Cine Holliúdy", película de Halder Gomes, originalmente nascida de um de seus curtas, "O Astista Contra o Caba do Mal", premiadíssimo em diversos festivais. Podemos considerá-lo o quarto filme da história do cinema (caso existam outros, que me sejam apresentados) a abordar a decadência das salas exibidoras nas pequenas cidades interioranas. Duas famílias Halder aborda a paixão de um homem, Francisgleydisson (Edmilson Filho), pelo cinema através de uma visão familiar, na qual o amor comanda as relações de compreensão e entendimento de seus personagens. Esse é o detalhe inicial, a questão da família que procura preservar os seus dons. No caso, a de Francisgleydisson. Mas o enredo de Halder tem essa família apenas como base para os seus personagens centrais - Francisgleydisson, sua mulher Maria das Graças (Miriam Freeland) e o filho (Joel Gama). No entanto, é importante observar em "Cine Holliúdy" a composição de uma outra família, a "grande família interiorana", composta por personagens reais recortados da infância do diretor, em Senador Pompeu. Estão lá, no filme, figuras tradicionais como os políticos safados, a pivetada com seus pequenos rancores, as espertas falsas "autoridades", os padres, enfim, uma galeria de personagens do cenário interiorano nordestino. Na observação, Halder vai apresentando um a um esses personagens até reuni-los, todos, na primeira sessão de cinema em Pacatuba, levada a cabo por Francisgleydisson. Alguns desses personagens chegam, na exposição, à beira do caricato e da galhofa. Mas ninguém se deixe enganar, é essa mesmo a realidade da cultura interiorana cearense e quiçá, nordestina, na qual qualquer particularidade de uma pessoa, seja ela qual for, ganha rapidamente um apelido ou a gozação atroz. Qualquer um pode ser caso de pilhéria e olhares atravessados - como expressam Falcão e João Netto (o Zé Modesto) através de seus personagens na tela. Atentem que o elemento expressamente vivo no filme de Halder Gomes é a cultura popular nordestina, particularmente o linguajar "cearensês", que ganha relevância com dezenas de citações dos palavreados típicos da terra - "espilicute", "catrevagem", "leriado", "amofinado", "abaitolado", e por aí vai, cujo sentido até necessita de um dicionário para ser compreendido. Halder Gomes, portanto, favor não esquecer do Dicionário de Cearensês, seja o do Rogério Cavalcante, do Marcus Gadelha ou do Nivardo Nepomuceno. Contudo, em nenhum momento, "Cine Holliúdy" deixa de ter um caráter universal. Tudo o que está lá, no filme, é perfeitamente compreendido através do poder de comunicabilidade com o grande público. A película ressente-se, sim, de um maior dinamismo, mas isso fica em segundo plano, quando Halder mantém seu filme sempre em um nível de ascensão. "Cine Holliúdy" é o cinema em seu puro estado de magia, de fascínio e comunicabilidade. É magistral a cena em que os espectadores saem do cinema aplicando golpes de karatê. E, como instante de influência e emoção que o cinema tem como poder de envolver as pessoas, o trecho de um pretenso filme romântico, o qual enternece as mulheres. O cinema não é lenda. "Cine Holliúdy" está aí para provar.

Publicado pelo Autor no Diário do Nordeste

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