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  • Thiago Sampaio

Manchester à Beira-Mar (2016), de Kenneth Lonergan


O silêncio e as atitudes na maioria das vezes são muito mais profundos do que milhões de palavras. A complexidade do ser humano e suas inúmeras reações ao meio em que vive são difíceis de descrever apenas com diálogos. E é essa peculiaridade que faz de “Manchester à Beira-Mar”, indicado a seis Oscars (Filme, Diretor, Ator, Ator Coadjuvante, Atriz Coadjuvante e Roteiro Original), um longa-metragem tão belo, apesar de triste do início ao fim. Trata-se de uma obra sobre o luto e a forma como cada um lida com as adversidades da vida.

A trama apresenta Lee Chandler (Casey Affleck), um homem que é forçado a retornar para sua cidade natal com o objetivo de tomar conta de seu sobrinho adolescente (Lucas Hedges) após o pai (Kyle Chandler) do rapaz, seu irmão, falecer precocemente. Este retorno ficará ainda mais complicado quando Lee precisa enfrentar as razões que o fizeram ir embora e deixar sua família para trás, anos antes.

O diretor Kenneth Lonergan (“Conte Comigo”, 2000, e “Margaret”, 2011) desenvolve a narrativa com muita cautela. Vemos uma diversão em família, dois irmãos se divertindo em um barco, pescando, bebendo cerveja, brincando com o filho pequeno de um deles. Depois percebemos que se trata de uma lembrança, quando somos jogados para o presente, onde somos apresentados a Lee Chandler, um homem aparentemente infeliz e pavio curto que trabalha como “faz de tudo” (zelador, desentupidor de aparelhos sanitários, etc) em um condomínio de Boston, que repentinamente recebe a notícia do falecimento de um familiar, o que o faz voltar para a sua cidade natal.

Com uma melancolia predominante, Lonergan alterna entre os dias atuais e os flashbacks, mas mantendo um mistério inicial sobre os “fantasmas do passado” de Lee. Afinal, qual foi o destino do casamento dele com Randi (Michelle Williams), mãe dos seus dois filhos? Na cidade pesqueira para onde ele retorna, é reconhecido pelos moradores por alguma atitude negativa que o fez sair dali para se fechar em seu próprio mundo, num refúgio pessoal. Mas não demora para mostrar, entre essas alternâncias de tempo, o que realmente aconteceu e o espectador compreende a razão dele levar a vida no modo automático.

E é já sabendo dos acontecimentos trágicos que o relacionamento entre Chandler e o sobrinho Patrick move a trama. Com um respeito mútuo existente há anos, numa relação quase de pai e filho, são pessoas que se encontram em fases distintas da vida, mas precisam lidar com traumas recentes. Lee Chandler é um homem que perdeu o sentido de viver, não tem prazer, não tem interesse em interagir com pessoas (aqui e acolá aparece uma mulher interessada nele), e parece querer desculpas para se penalizar, nem que para isso provoque uma briga sem sentido num bar apenas para apanhar. Ao se tornar responsável por Patrick, ele redescobre o amor, ainda que o medo seja o sentimento predominante.

Já Patrick está no auge da adolescência e tem atitudes até estranhas para quem acabou de perder o pai, como se a rotina seguisse normal. Recebe os amigos em casa para conversar no dia do enterro, se divide entre duas namoradas, vive o despertar da sexualidade, toca em banda, integra os times de hóquei e basquete do colégio. Não que ele não se importe com nada, afinal, existe a preocupação sobre a sua guarda, o seu futuro, mas é mantendo a cabeça ocupada que ele lida com essas feridas. Todos, sem exceção, têm problemas.

Um dos méritos do roteiro, escrito pelo próprio Kenneth Lonergan, é não precisar apelar para falas explicativas ou lições de moral. Os fatos apenas estão lá e cada um age de acordo com a sua personalidade, incluindo os personagens secundários, como a mãe de Patrick (Gretchen Mol), que sofre de alcoolismo e tenta tocar a vida ao seu modo. Em determinados momentos existe até um humor (negro, é verdade) que torna a projeção leve, como os constantes diálogos entre Lee e o sobrinho, cada um mais ignorante que o outro, ou quando o adolescente tem um ataque de pânico ao lembrar do pai falecido ao ver um…frango congelado!

Nesse contexto, de seguir em frente apesar das intempéries, que Randi, a ex-esposa de Lee, tem papel fundamental no longa-metragem, apesar do pouco tempo em cena. Aparentemente com as feridas da vida cicatrizadas, ela participa do momento mais profundo do filme, quando tem um diálogo essencial com Lee e, provavelmente, Michelle Williams garantiu a indicação ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por essa cena.

Mas não tem como negar que o grande destaque é Casey Affleck, indicado a Melhor Ator, impecável ao transmitir a constante apatia de quem carrega nos ombros uma culpa sem tamanho, uma tristeza insuperável. O jovem Lucas Hedges, indicado a Melhor Ator Coadjuvante, é uma grata revelação, soando até irritante em certos momentos, mas captando a inquietude que um adolescente de 16 anos provoca em seus responsáveis.

A imagem de Lee e Patrick pescando no mesmo barco onde eles se divertiam no passado é de um simbolismo enorme nessa produção sobre os caminhos da vida. O dia de amanhã é sempre incerto e a vida é como as ondas do mar, onde seus habitantes são tão distintos quanto os inúmeros tipos de peixes que ali estão. Nem sempre o trajeto é feliz, mas é bastante profundo.

Publicado pelo autor no blog Cena Cultural / Tribuna do Ceará.

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