É sempre certo que filmes sobre acidentes chamam muita atenção e vendem muito bem – isso, porque, traz ao espectador uma aventura que por si só já é envolvente pela comoção. E, assim como a maioria dos filmes superficiais de terror, a premissa geralmente vem sob a batuta de “história real”. E "Sully - O Herói do Rio Hudson" poderia, muito bem, ater-se somente a isso; preocupar-se com a tragédia e endossá-la de muito realismo – se a produtora fosse muito inconsequente seria capaz de lança-lo em salas 4DX (nada seria mais bizarro que isso). Mas, felizmente, o filme de Clint Eastwood tenta ir além. E chega no ‘quase’.
"Sniper Americano", penúltimo filme de Clint, apresenta uma áurea protecionista em torno de seu astro, e seu principal drama se vende de forma muito supérflua. Principalmente por estagnar todo sofrimento em um conceito patriota intransigente. E é revigorante que essa abordagem não esteja sob o manto de Sully, novo herói que tem sua catarse brevemente explorada. O desespero mediante o pouso forçado e a preocupação tanto com sua carreira, quanto com os passageiros e sua família se envolvem de modo que exclui a megalomania. Sully é apresentado desde o início como um piloto muito centrado e responsável – e é inteligente que o filme o aborde o tempo suficiente para que essa áurea não pareça gratuita.
Quanto a “ir além”, a estrutura de seus ápices dramáticos é distribuída tendo como critério a condução do que, segundo o roteiro, realmente importa. Clint não deixa suspeitas quanto ao heroísmo de seu protagonista, mas o antagonismo construído desde os primeiros minutos evidencia que estamos ali atrás de sua “inocência”. É benéfico e orgânico, por parte da estrutura mencionada, que o acidente em si seja revisitado como um estudo do próprio Sully – que insiste em ponderar seus atos e imaginar as ramificações trágicas do pouso.
Diante isso, o filme segue intercalando as investigações com resquícios do fato – e ainda encontra espaço em algumas memórias remotas para engrossar nossa crença em sua idoneidade. É uma pena que seu “pós-clímax” seja reduzido ao optar por repetir uma tensão já explorada e, em seguida, ater-se a uma sutil alternância de ritmo, fazendo com que as informações inéditas apresentadas percam parte da graça do heroísmo conclusivo.
“Sully” não propõe um estudo de personagem (por esse lado poderia falhar muito mais), e também não cria qualquer tensão real em torno das consequências – mas, também, não há muito tempo ou matéria para isso. O filme se justifica como um acompanhamento sutil (e levemente burocrático) dos “bastidores” de um evento tão comovente. O homem que salvou 155 vidas do que poderia ter sido uma tragédia de alvoroço mundial; essa escalada aos degraus do pedestal de Sully é, afinal, orgânica e envolvente – muito mais por Tom Hanks do que por Clint Eastwood.
Publicado pelo autor no site Quarto Ato.