Casablanca, 1942. Junta-se o ano e a cidade e a memória se completa com o grande romance dramático do século passado, "Casablanca" (1942), de Michael Curtiz. Existem três vertentes diferentes de abordagem sobre a Segunda Guerra Mundial, cada uma em um front. O ocidental, na Europa, tem o heroísmo e o jogo político. O oriental, no Japão, sangrento e cheio de ódio. Entre os dois havia Casablanca, no Marrocos, uma espécie de ilha de espiões eternizada por Curtis. É lá que conhecemos o eficiente agente canadense Max Vatan (Brad Pitt) e a estonteante francesa Marianne Beauséjour (Marion Cotillard). Mais que isso: é lá onde os dois se conhecem e "Aliados", novo longa de Robert Zemeckis, ganha força.
Como uma bela femme fatale, a agente secreta se infiltra na alta sociedade marroquina, então dominada pelos nazistas que haviam conquistado a França. A dubiedade da relação entre Marianne e Max, a quem ela chama de "québecóis" (quebequense, em ironia ao seu fraco sotaque parisiense), é a melhor coisa do longa. Inteligente, bonita, "a alma de uma festa", Marianne solta frases soltas que fazem com que o espectador duvide de sua fidelidade à França o tempo todo. "Eu sou muito boa em fingir", brinca ela, para um Max desconfiado.
Após um assassinato bem-sucedido, o canadense e a francesa se mudam para Londres (Inglaterra), onde têm uma filha. A guerra avança. Ela, apesar de claramente superior em campo do que ele, vira dona de casa, enquanto ele segue um profissional requisitado. Até que um dia os chefes de Max o convocam com a suspeita de que Marianne não é quem diz ser. Há a suspeita da agente francesa "real" ter sido morta, sendo substituída por uma espiã nazista — e caso isso seja verdade, ele será o encarregado de matá-la. Cabe a Max provar a inocência da esposa, mesmo que tenha de lutar contra a própria causa.
É, em suma, um jogo de gato-e-rato doméstico. Se o primeiro ato nos delicia com a composição pomposa da espiã feita por Cotillard, o segundo ato perde muito ao se focar na austeridade do agente interpretado por Pitt. E há um abismo entre a qualidade dos dois atores: a francesa é brilhante, o norte-americano é correto. Ainda assim, o maior mérito de Zemeckis é manter Marianne vibrante mesmo fora de cena. Afinal das contas, o protagonista da ação é a dúvida, mais até do que Max.
Apesar disso, falta mais tempo de tela para Cotillard. Ela domina as cenas desde o primeiro minuto. Max é apenas o acompanhante, uma escada para o fascínio que ela causa. A presença fica ainda mais forte diante de um elenco de apoio irregular. O nazista Hobar é uma (eficiente) reprise do papel de August Diehl em "Bastardos Inglórios" (2009); Lizzy Caplan, que interpreta a irmã de Max, traz carisma ao filme, mas pouco sobra de espaço para ela diante da densidade do roteiro. Frank Heslop (Jared Harris) tem o visual mais nazista possível para um comandante britânicos — escolha questionável do design de produção. O destaque na composição do elenco, então, recai todo sobre Cotillard. Mas ela e Zemeckis fazem o filme valer a pena.
"Aliados" é bem dirigido, tem uma atuação acima da média de uma atriz bem acima da média, um visual extremamente bem construído e uma trama que mantém a atenção durante seus 124 minutos. Boas cenas de ação, entrecortadas por boas tiradas de ironia dramática. Soa como "Sr. e Sra. Smith" (2005), mas é bem mais inteligente e dramático. É um daqueles bons contos da Segunda Guerra Mundial. Um pequeno filme de Robert Zemeckis — que ainda assim é um longa mais do que a maioria dos diretores seria capaz.
Publicado pelo autor no blog Cinema às 8 / O Povo Online.