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  • Thiago César

A Qualquer Custo (2016), de David Mackenzie


Hollywood vem se libertando cada vez mais das barreiras do glamour em prol do realismo. Mesmo que atrasado em relação a produções de outros cantos do globo, o cinema estadunidense tem ousado abordar algumas temáticas, personagens e estéticas que não condizem com o clássico modelo de vida americano. O que há de podre no “reino” dos Estados Unidos vem à tona em obras como Inverno da Alma, Indomável Sonhadora e o mais recente "A Qualquer Custo", indicado a 4 Oscars em 2017, incluindo Melhor Filme.

Acompanhamos os irmãos Howard, interpretados por Ben Foster (Tanner) e Chris Pine (Toby), em uma série de roubos a banco no intuito de acumular a quantia necessária para pagar suas dívidas com o próprio banco. A dupla segue a tradicional dinâmica do extrovertido e introvertido, do emotivo e do racional, do louco e do sensato. O diferencial está no subtexto social, uma crítica às armadilhas institucionais que tornam a parcela pobre da sociedade refém de empréstimos bancários e sem perspectiva de evolução financeira, que permeia constantemente a narrativa.

Dado o contexto, a atitude dos “bandidos” se torna não apenas uma vingança contra o sistema, mas uma forma de jogar seu jogo injusto. Alguns coadjuvantes até admiram, se compadecem ou dificultam o trabalho da polícia por se sentirem representados pelos assaltantes, em uma espécie de justiça do povo. O público então se torna cúmplice de Tanner e Toby em vez de condenador de seus atos, acompanhando cada assalto tangenciado pelas noções de seus dramas econômicos e familiares.

Na cola da dupla, estão os policiais Marcus (Jeff Bridges) e Alberto (Gil Birmingham), veteranos da profissão que estão próximos da aposentadoria. A relação entre os dois parceiros é quase tão bem trabalhada quanto a dos irmãos Howard, deixando clara a preocupação do roteirista Taylor Sheridan em estabelecer paralelos entre os dois lados da lei, com suas diferentes realidades, importâncias e motivações, sem tomar partido.

A ambientação do oeste do Texas também se faz personagem. A estrutura de “road movie” evidencia a vastidão desoladora do estado, com estradas que parecem não ter fim e cidades tão pacatas que parecem abandonadas, como se fosse uma região realmente esquecida e renegada pelo resto do país. Isso chama atenção para a fotografia contrastada de Giles Nuttgens, que faz uso frequente de planos abertos e imprime uma sutil, porém clara dominância do ambiente sobre os personagens.

O diretor David Mackenzie tira proveito da precisão de Nuttgens para formular ótimas cenas como o plano sequência inicial, cuja misé-en-scene apresenta o ambiente, contextualiza a situação e introduz os personagens em um timing perfeito. As referências imagéticas e estruturais ao gênero de faroeste também se fazem presentes durante a narrativa, enquanto a atmosfera é uma interessante mistura entre "Os Fracos Não Têm Vez" e "Bonnie e Clyde".

Por outro lado, o enredo engajado fica apenas como pano de fundo para uma história de polícia e ladrão acima da média. Os diálogos não dizem nada mais sobre o que já sabemos sobre a história e os personagens. Isso soa como desperdício para uma obra tão cuidadosamente trabalhada em outros aspectos. Não é surpresa que ao final da projeção o espectador sinta que viu apenas mais um ótimo filme de gênero.

Texto publicado pelo autor no site Cinemaginando.

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