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  • Thiago César

O Último Trago (2016), de Luiz Pretti, Pedro Diogenes e Ricardo Pretti


A memória sócio-histórica do Brasil é recheada de controvérsias e abordagens tendenciosas sobre os fatos. Não é mistério que atos de violência e dominação serviram de base para a formação da sociedade como a entendemos hoje. Entretanto, a falta de informação, a ignorância seletiva, o esquecimento ou acobertamento destas memórias de pouco orgulho geram uma ilusão de pacificidade, justiça e progresso.

Neste sentido, a produtora cearense Alumbramento tem se mostrado uma assídua realizadora de obras de caráter pouco convencional, mas importantíssimas para o cenário cinematográfico do estado. Pedro Diogenes, Luiz e Ricardo Pretti compartilham a direção em “O Último Trago”. No longa, a garçonete interpretada por Elisa Porto é alvo da manifestação espiritual de Valéria (Samya de Lavor), nativa da região que viu seu povo ser massacrado pela civilização dominadora e esquecida pelos que atualmente vivem em sua terra.

A utilização de elementos sobrenaturais são comuns na filmografia da produtora. Neste caso, tais elementos funcionam como uma metáfora para o restabelecimento do lugar de direito e firmação da memória dos nativos. Entretanto, o roteiro de Francis Vogner dos Reis, Pedro Diogenes e Ricardo Pretti reconhece a importância de trabalhar os personagens do modesto bar no tempo presente, onde a dinâmica das relações guarda uma complexidade maior do que aparenta a pacata rotina dos funcionários e clientes.

Esta subtrama explorada durante a primeira metade do filme complementa a temática de retorno dos antepassados na medida em que funciona como uma culpa afogada de geração em geração, sentida apenas como sintoma inconsciente na forma dos resquícios de sonhos perdidos e da falta de perspectiva dos personagens. A ambientação no interior do Ceará, filmado como um vasto vazio silencioso, serve de extensão para o vazio de sentido na vida dos personagens ao mesmo tempo em que aponta para a história desdenhada dos nativos. A escolha da locação foi acertada, pois a comunidade do Cumbe, em Aracati, é de origem quilombola e serve como um trágico manto de realidade para este enredo ficcional, envolvendo ainda mais o espectador em uma consciência sócio-política que transborda da tela do cinema.

A premiada montagem de Clarissa Campolina é ousada no uso das ferramentas. A colorização artificial e a variação do aspect ratio da tela ajudam a situar o espectador em um período específico ou a evidenciar uma ideia.

Em tempos onde as produções independentes estão cada vez mais politizadas e experimentais, mostrando técnicas pouco comuns e temas que incomodam por serem urgentes e pouco levantados, um filme feito por cearenses sobre a outra história do Ceará, que não se encontra em qualquer livro, é mais do que bem-vindo, é necessário.

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