Apesar do título nacional genérico, "Invasão Zumbi" não é mais uma história qualquer estrelada por zumbis. Algumas peculiaridades da obra de Yeon Sang-ho tentam repensar como um filme de gênero ainda pode ser efetivo, dentro de um mercado onde produções incansáveis e descartáveis fazem qualquer coisa para amedrontar o público, nem sempre com sucesso.
Felizmente, nos últimos anos algumas produções se destacaram ao oferecer experiências diferentes de suspense. "Boa Noite Mamãe" (2014), "A Bruxa" (2015) e "Hush: A Morte Ouve" (2016) são alguns exemplos de como novos olhares podem funcionar dentro de tramas simples, a partir de uma estrutura de drama em si, em sua composição mais natural. "Invasão Zumbi" traça um caminho semelhante ao se revelar um filme que mistura com competência o terror, a ação e o drama familiar em um contexto político, que pode ser acessado de diversas formas de acordo com a apreciação do público.
Exibido na sessão Midnight Screenings do Festival de Cannes, a obra rodada na Coreia do Sul é a primeira em live action dirigida por Yeon Sang-ho, que tem em sua trajetória trabalhos apenas com animações. Aliás, "Invasão Zumbi" tem uma ligação direta com seu curta-metragem animado "Seoul Station", também lançado esse ano.
O longa acompanha o que deveria ser uma viagem entre um pai negligente e uma filha carente, em um trem que vai de Seoul até Busan. A jornada ganha proporções inesperadas quando surge uma epidemia zumbi, que ameaça segurança dos passageiros e impulsiona o instinto de sobrevivência.
Aqui, os zumbis não são seres fáceis de descartar. Não é uma simples pancada na cabeça que faz com que eles percam a consciência. Em busca de sangue, os zumbis têm seus próprios mecanismos, que são revelados aos poucos por meio de truques do roteiro que sempre funcionam. O principal estalo da trama é colocar os vivos não estão em conflito não apenas contra os infectados, mas também contra eles mesmos.
A relação entre os passageiros representa uma sociedade de pouca empatia. O pai que ensina para a lha que, em situações extremas como essa, é "cada um por si" é o mesmo que sofre com a opressão de outros passageiros que não ligam para a sobrevivência dele.
Cenários
Para criar esse contexto sólido, o roteiro insere passagens sobre a situação de caos instalada na Coreia do Sul, seja por meio de flashes de programas jornalísticos ou pela exposição de diálogos que revelam um pouco sobre os personagens. "Invasão Zumbi" faz críticas ácidas ao governo que nega segurança para o seu povo e que aparentemente não está preparado para lidar com o inesperado, além de denunciar a ambição sem freio das grandes empresas.
Também discute o espaço da gentileza e da humanidade em si, questionando até onde alguém é capaz de se importar com a vida do outro. O vírus que atinge os zumbis e dizima a população é como uma alegoria que desmascara intolerância de uma sociedade. As cenas de ação de "Invasão Zumbi" são frenéticas e o roteiro não tem muita piedade dos personagens, nem abre mão das reviravoltas.
Realizando um dos melhores trabalhos de direção do ano, Sang-ho traz dinâmica para as sequências, tanto nos cenários mais claustrofóbicos quantro dentro do próprio trem (e aqui vale destacar a incrível sequência de iluminação dos túneis). Ao mergulhar em um trabalho verdadeiramente artístico, o diretor provoca variadas sensações no público sem apelar para soluções fáceis.
A transfiguração dos zumbis é outro acerto, assumindo um aspecto quase demoníaco de como eles perdem a humanidade e se transformam em monstros. Os efeitos especiais e visuais não deixam a desejar em relação às superproduções dos grandes estúdios. Essa naturalidade dá a impressão de que o cinema americano não alcançaria um aspecto visual tão puro, nem abrigaria características tão peculiares e inventivas do cinema de horror oriental contemporâneo. "Invasão Zumbi" é frenético, divertido, sensível e merece servir de inspiração para quem acredita que ainda é possível ver boas histórias de terror no cinema.
Publicado pelo autor no Jornal Diário do Nordeste.