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Thiago Sampaio

Animais Fantásticos e Onde Habitam (2016), de David Yates


Não é novidade que Harry Potter tem uma legião de fãs fiéis ao redor do mundo. Os oito longas-metragens, adaptados dos sete livros da autora J.K. Rowling, arrecadaram mais de US$ 7 bilhões, fazendo deles a franquia mais lucrativa do cinema (se ignorarmos o ajuste pela inflação, vale avisar), na frente de "Star Wars", "007", "O Senhor dos Anéis", "Piratas do Caribe", entre outros. Sendo assim, era um tanto óbvio que a Warner Bros. não deixaria a sua menina dos olhos só na lembrança e “Animais Fantásticos e Onde Habitam” chega para manter o universo vivo e faturar mais alguns bilhões. E tem tudo para conseguir o feito, pois o produto mantém o nível de diversão e funciona independente dos outros filmes.

A trama se passa 70 anos antes da saga Harry Potter e apresenta o magizoologista Newt Scamander (Eddie Redmayne), que viaja de Londres para Nova York levando uma maleta mágica onde carrega fantásticos animais do mundo da magia que coletou durante as suas viagens. Em meio à comunidade bruxa norte-americana, que teme muito mais a exposição aos “trouxas” (agora chamados de não-majs) do que os ingleses, Newt precisará usar todas suas habilidades e conhecimentos para capturar uma variedade de criaturas que acabam fugindo.

A premissa é instigante para os fãs, afinal, se trata do primeiro longa-metragem com uma história inédita, sem livros para comparações ou expectativas para determinadas cenas. Tudo bem, ele é inspirado no livreto homônimo com pouco mais de 50 páginas que, na verdade, é um catálogo de 75 espécies de criaturas mágicas, sem uma trama propriamente dita. Para isso, o estúdio vai pelo caminho que tem menos chances de falhar: a própria autora J.K. Rowling ficou responsável pelo roteiro e David Yates, que comandou os quatro últimos filmes do bruxinho, retorna para a direção.

Pelo fato de os acontecimentos acontecerem antes de Harry Potter, o espectador ainda não apresentado a esse mundo não terá dificuldade de se inserir nele. Há referências a Alvo Dumbledore, Hogwarts, à trilha sonora de John Williams, mas para por aí. Pelo menos por enquanto, já que os easter-eggs devem vir aos montes nas continuações. A autora utiliza todos os recursos do universo criado por ela própria (varinhas, porções, criaturas, fotografias que se mexem, etc), mas não teve muita criatividade para o enredo. No fim das contas, o filme todo se resume ao protagonista recuperar os animais perdidos para estudá-los, catalogá-los (originando o tal livreto que inspirou o título do longa), sendo perseguido pelo Ministério da Magia.

O entretenimento fica mesmo por conta do carisma dos personagens, das cenas de humor (agora bem mais presentes) e dos bichinhos de visuais bem variados e criativos. Para isso, o orçamento de US$ 180 milhões é visto cada centavo em cena, com efeitos especiais convincentes e uma direção de arte primorosa. Por mais que não exija muito cérebro para absolver o que está acontecendo, tudo é grandioso e bonito de se ver. E neste caso, o formato 3D realmente faz a diferença! Ver Newt correndo atrás de alguma das suas criaturas que destrói um banco ou uma loja de joias, ou o personagem Kowalski (Dan Fogler) sendo perseguido por uma espécie de rinoceronte gigante no cio, ou eles entrando em um gigantesco ambiente dentro da mala traz aquela sensação de diversão passageira.

David Yates é aquele diretor ideal para as pretensões do estúdio: não tem muitos traços autorais, ele faz o que mandam. Assim ele o fez nos últimos longas de Harry Potter e repete o feito em “Animais Fantásticos”, mantendo um tom neutro, não tão infantil como Chris Columbus fez em “A Pedra Filosofal” (2001) e “A Câmara Secreta” (2002), e nem tão sério quanto Alfonso Cuarón fez em “O Prisioneiro de Azkaban” (2004). Desta vez, são poucas as cenas de ação, optando até por um clímax contido, remetendo às produções de fantasia dos anos 80. Em momentos pontuais, Yates até confere belas sequências, como a da projeção dos traumas de infância na água no momento da “pena de morte” e da chuva na cena final, culminando em um poético desfecho para o personagem Kowalski.

A aposta está no quarteto principal, que ainda não conta com a simpatia dos fãs como tinham Harry, Rony e Hermione, mas funciona dentro da nova proposta. Após dois “papéis de Oscar”, em “A Teoria de Tudo” (2015) e “A Garota Dinamarquesa” (2016), Eddie Redmayne está bem à vontade na pele de Newt Scamander, visivelmente se divertindo em cena ao conferir o ar excêntrico e tímido através de um olhar perdido e fala mansa. Katherine Waterston faz de Tina uma protagonista feminina que não se limita a ser um interesse amoroso do protagonista, tendo ela própria uma história de superação. Pena que detalhes sobre os seus passados são apenas citados ou induzidos, devendo serem aprofundados nos próximos filmes.

Mas quem rouba a cena é Dan Fogler, o Kowalski, que além de alívio cômico, traz a visão de um “trouxa” (alguém que não é bruxo) diante de um mundo mágico pela primeira vez, misturando encantamento e medo. Ele tem tanto destaque na trama quanto Newt Scamander, tanto que coube a ele o possível romance com a sensual e ingênua bruxa Mary Lou, vivida pela ótima Samantha Morton. Do outro lado, Colin Farrell encarna o mago Graves com a canastrice costumeira, Ezra Miller vive o misterioso Credence com eficiência, apresentando um jovem atormentado, de fala trôpega, cabeça baixa e braços encolhidos. Sim, Johnny Depp tem uma participação especial e, polêmicas à parte que cercaram a sua escalação por conta da sua vida pessoal, acusado de agressão pela ex-esposa Amber Heard, aqui ele serve apenas como um bônus pela sua mítica e um gancho para a “parte 2”.

Os planos da Warner Bros. incluem cinco filmes dessa nova franquia caça-níquel que certamente vai levar para as salas de cinema os fãs vestidos de estudantes de Hogwarts e varinha em mãos, além dos espectadores casuais que buscam uma superprodução. Necessária ou não a existência de tantos longas-metragens, isso pouco interessa aos figurões do estúdio, que certamente vão garantir largos sorrisos. Mantendo o nível do primeiro, pelo menos um bom passatempo é garantido.

Publicado pelo autor no Blog Cena Cultural / Tribuna do Ceará.

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