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  • Diego Benevides

Pequeno Segredo (2016), de David Schurmann


O cinema brasileiro que vai além das salas comerciais tem olhado para novas formas de contar histórias, experimentando as mais diversas camadas de linguagem e de dramaturgia. É um cinema novíssimo que traz um frescor inventivo no meio dos enlatados que ainda resistem. Infelizmente, nem todos esses bons filmes conseguem estreia decente nos cinemas porque são ignorados pelas salas de shopping, com a desculpa de não atraírem público, e acabam restritos a festivais e circuitos alternativos.

Dito isso, "Pequeno Segredo" vai na contramão do que de mais relevante tem sido feito pelos realizadores brasileiros autorais, ou seja, a obra de David Schurmann nasce e morre dentro de um mesmo espaço, onde originalidade de pensamento, provocação ou política não existem. Não é bem um problema ser um filme comum, já que tem potencial para conquistar o público mais sensível a melodramas - dos que pedem desesperadamente para você derramar um rio de lágrimas e sair com orgulho do herói, que fez o bem e deve servir de exemplo.

A trama é baseada na obra "Pequeno Segredo - A Lição de Vida de Kat para a Família Schurmann", família catarinense da qual o próprio diretor do filme faz parte. Lançado em 2012, o livro aborda o encontro dos Schurmann com outra família, que culminou na adoção de uma criança enferma. Os núcleos do filme são apresentados em dois tempos narrativos distintos, até se dissolverem em um só e isso causar, aparentemente, certa surpresa.

O roteiro de Marcos Bernstein, responsável por "Central do Brasil" (1998), foca na relação entre a mãe adotiva Heloisa, interpretada por Júlia Lemmertz, e a pequena Kat, papel de Mariana Goulart, fruto do amor entre um neozelandês e uma paraense. Por ironia do destino, a vida da garota cruza com Heloisa e o marido, vivido por Marcelo Antony, que guardam um "segredo", só revelado no final do filme. Aliás, para os mais atentos, é fácil perceber do que se trata a enfermidade de Kat, já que o diretor se utiliza de planos nada discretos para deixar pistas sobre isso.

Sensível demais

A ingenuidade de "Pequeno Segredo" revela a escolha de conquistar o espectador pela emoção. O amor de Heloisa por Kat é bonito, mas Schurmann não dá espaço para que essa relação consiga voar, assim como a borboleta que aparece nos primeiros minutos de projeção. Tudo em cena beira o piegas. Além do teor poético de autoajuda presente nos diálogos, o filme não dá trégua na trilha sonora açucarada, que sublinha em excesso os sentimentos dos personagens e, principalmente, do espectador, que se vê quase forçado a se importar demais com uma narrativa repleta de deslizes.

O exagero desse tom dramático beira o superficial, já que roteirista e diretor, não cientes da profundidade do fato isolado em si, ainda buscam vilanizar a avó paterna da garota, como se o foco na enfermidade não fosse suficiente para desenvolver o lado dramático. Os conflitos parecem andar em dissonância e não há sensação de surpresa em momento algum, o que entrega uma trama indefesa e pouco fluida.

Homenagem

Schurmann parece não se importar com isso, até porque este é um filme em homenagem à bravura de seus pais e o compromisso está em exaltar a bondade dos personagens, perdendo o sentido de urgência dos conflitos narrativos propriamente ditos, principalmente no clímax.

Ciente disso, o roteiro impõe a Heloisa alguns diálogos que, embora bonitos, excedem o sentimentalismo. E o final não é exatamente o fim, pois o diretor ainda acha conveniente que os créditos do filme sejam embalados por cenas dos personagens reais, com mais acordes melancólicos da trilha sonora.

Em contrapartida, "Pequeno Segredo" tem um trabalho de fotografia decente, trazendo a sutileza que a trama precisa. É um filme que precisa mexer com o coração do público para funcionar, então reúne os elementos básicos de estética e linguagem para se tornar efetivo e, mais ainda, afetivo.

Schurmann também tem um olhar delicado sobre a história, afinal é algo muito pessoal para ele, mas desliza no excesso de metáforas, principalmente quando resolve colocar uma baleia encalhada na praia para refletir sobre a vida e a morte, momento desnecessário e com visual pobre.

Júlia Lemmertz é uma atriz de outro nível, então não é difícil trabalhar os diferentes tons que a personagem precisa. É dela que vem a principal força da história, abrindo o coração para mostrar o amor que sente por Kat. A sintonia de Lemmertz com Mariana Goulart, que vive a pequena Kat, é poderosa, ainda que a falta de sutileza do instinto maternal prejudique em algum momento.

Maria Flor, que interpreta a mãe biológica de Kat, não decepciona como uma jovem cheia de sonhos cuja vida é interrompida de forma drástica, mas o roteiro não dá muito espaço para que sua relação com o neozelandês Robert, papel de Erroll Shand, ganhe significado. Os personagens masculinos são unidimensionais demais para interferirem nesse cenário basicamente feminino e servem apenas como acessórios da trama.

Talvez o maior problema de "Pequeno Segredo" esteja no fato de ser uma obra simples que enfrentou uma polêmica mais forte do que poderia suportar ao ser escolhido para representar o Brasil no Oscar. Além disso, o diretor chegou a dar entrevistas exaltando o filme e colocando-o em um patamar do qual ele não pertence, relativizando sua importância.

Não é um trabalho de todo ruim, porque cria uma linha diálogo rápida com público, ao mesmo tempo em que revela sua fraqueza e incapacidade de deixar sua marca dentro da experiência do cinema nacional que temos hoje.

Publicado pelo autor no Jornal Diário do Nordeste.

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