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  • George Pedrosa

O Shaolin do Sertão (2016), de Halder Gomes


Terceira parceria entre o cineasta Halder Gomes e o ator Edmilson Filho, "O Shaolin do Sertão" (Idem, 2016) é mais uma entrada numa série de filmes que combinam os maneirismos da cultura cearense com a paixão pelo cinema de artes marciais.

Enquanto "Cine Holliúdy" (2013) concentrava as referências aos filmes de Hong Kong em seu terceiro ato, desta vez a dupla quebra as barreiras de seu microuniverso cinematográfico e abraça a mistura de gêneros do começo ao fim, com uma narrativa de artes marciais que deve tanto a Bruce Lee quanto aos Trapalhões.

Tendo início já com uma sequência filmada no estilo das antigas produções de Hong Kong, "O Shaolin do Sertão" conta a história de Aluízio Li (Edmilson Filho), um padeiro do interior do Ceará que acredita ser um monge Shaolin e decide partir em uma jornada de treinamento para enfrentar o lutador de vale-tudo Toni Tora Pleura (Fábio Goulart).

Halder Gomes investe bem mais na linguagem cinematográfica do que em suas obras anteriores, com uma direção mais segura e inventiva que inclui montagens de treinamento, câmera lenta e até mesmo brincadeiras com a razão de aspecto da tela e com as legendas, distanciando-se do estilo televisivo de "Cine Holliúdy" e abraçando uma proposta anárquica coerente com a cultura cearense que o filme tanto homenageia. E não há melhor exemplar dessa atitude do que o próprio Edmilson Filho, que passeia com naturalidade pela comédia física, a verborragia e uma fisicalidade invejável nas cenas de luta (o ator é mestre de Taekwondo), surgindo como uma mistura improvável de Mazzaropi e Jackie Chan.

Quando Aluízio completa seu treinamento e acaba sucumbindo aos vícios resultantes da fama recém-conquistada, a narrativa de road movie e as montagens de treinamento dão lugar à comédia situacional, e o filme perde um pouco do ritmo. A luta final surge alongada, como se o diretor tivesse hesitado em cortar algumas das tiradas e ideias para a sequência que presta homenagem aos filmes de artes marciais de sua infância.

É preciso apontar também que o humor do filme é demasiadamente ancorado em maneirismos e referências possivelmente impenetráveis para espectadores de outras regiões, e que muitas das piadas perdem a força pela repetição e pela insistência no escatológico e no estereotipado. Nesse aspecto, o lirismo e a criatividade universais de obras como "O Auto da Compadecida" e "A Máquina" acabam fazendo falta.

Filmado em Quixadá e pintado com os cenários belíssimos e o azul cristalino do céu do interior do Ceará, "O Shaolin do Sertão" é, de qualquer forma, um esforço ambicioso de um diretor que não se contenta em fazer um mero cartão postal de sua terra natal e traz elementos de outros gêneros, culturas e de sua própria formação pessoal para montar um prato regional único. E talvez a imagem mais simbólica dessa mistura seja aquela que traz Edmilson Filho, sob a luz do pôr-do-Sol, alternando movimentos de artes marciais com passos de forró.

Publicado pelo autor no Clube Cinema.

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