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Arthur Grieser

Desculpe o Transtorno (2015), de Tomás Portella


Tomás Portella é um cineasta curioso. Jovem (possui apenas 37 anos) e capaz de flutuar entre os gêneros mais diversos do cinema, o diretor/roteirista já foi responsável por trabalhos desastrosos como o suspense “Isolados” (2014), mas também já conduziu obras interessantes como “Operações Especiais” (2015), longa de ação que mais promete do que entrega, mas cativante o suficiente para entreter com razoável eficiência dentro de sua proposta. Foi na comédia nacional “Qualquer Gato Vira-Lata” (2011), no entanto, que ele estreou na direção, provando ser, de lá pra cá, um artista bastante eclético.

Neste “Desculpe o Transtorno”, longa protagonizado por Gregório Duvivier, Dani Calabresa e Clarice Falcão, Portella atinge, até então, a maturidade de seu cinema, entregando um filme redondo, divertido e, principalmente, equilibrado do ponto de vista estético e narrativo, sem precisar apelar para recursos de pouca utilidade como em trabalhos anteriores. Aqui, tudo parece estar devidamente no ponto, o que é ainda mais admirável se considerarmos a relativa complexidade dos elementos que o cineasta tem que lidar no decorrer da história. Mais sobre isso logo adiante.

Escrito a oito mãos - isso nunca é um bom sinal - por Célio Porto (roteiro), Tatiana Maciel (roteiro), Pedro Carvalhaes (argumento) e Adriana Falcão (redatora/editora), o enredo acompanha a vida de Eduardo (Duvivier), um homem com transtornos de dupla personalidade que se divide entre sua vida estabelecida, regrada e sem graça em São Paulo, onde trabalha na grande empresa do pai (Marcos Caruso) e está prestes a se casar com a chatíssima Viviane (Calabresa), e uma outra em que ele, de repente, se transforma em Duca (apelido de infância), um típico carioca bon vivant e malandro, que se arrisca e aproveita cada segundo proporcionado pelo destino.

O primeiro choque ocorre logo após a morte de sua mãe, quando Eduardo tem que voltar ao Rio de Janeiro para deixar as coisas em ordem. Após a “metamorfose” instantânea, ele conhece Bárbara (Falcão), uma jovem que trabalha fantasiada de uma coelha rosa e distribui balões no aeroporto, e dá início a uma relação que irá mudar sua vida, bem como a forma como ele(s), Eduardo (e Duca), enxerga(m) o mundo.

A proposta do filme é simples e clara: potencializar ao máximo os estereótipos entre São Paulo (paulistanos) e Rio (cariocas) para, a partir desses extremos, construir suas discussões temáticas e bem-humoradas acerca de nossas relações interpessoais, amor, família, etc. Para isso, conta com o talento de Gregório Duvivier, que se prova um ator competente ao alternar, com maestria, drama/tristeza/conformação e leveza/alegria/jovialidade. Se, no começo, vê-lo forçando a fala para imitar um sotaque paulista soa um tanto quanto artificial, principalmente para os que acompanham seu trabalho com frequência, logo isso é incorporado organicamente ao personagem e naturalmente deixamos de enxergar o ator por trás do protagonista.

É interessante, neste sentido, como a diferença em seu olhar é sempre o primeiro elemento captado pelas lentes de Portella quando uma transformação de Eduardo para Duca (e vice-versa) está para acontecer. Duvivier tem, como poucos atores e atrizes do cinema mundial, admirável capacidade de conseguir transmitir múltiplos sentimentos com um olhar melancólico, frio e distante. Algo que me lembra, em algum nível, o astro norte-americano Steve Carrell, também capaz de transitar entre o drama e a comédia com mínimas mudanças em sua expressão. Se em alguns momentos isso contribui para que sintamos sua profunda tristeza e ímpeto de vida reprimido, em outros serve para que reforce o seu descompromisso diante dela, bem como seu arrojo em fazer o que quiser a hora quiser. O ator parece ter consciência dessa sua rara habilidade e a emprega com eficiência, resultando em momentos bastante divertidos, tal qual o longa se propõe, tanto com a Viviane de Dani Calabresa (ótima como de costume), quanto com a Bárbara de Clarice Falcão, a mulher dos sonhos - bonita, gente boa, divertida e descolada – de quase todos os homens.

Paralelamente à composição de Duvivier, a direção de fotografia elabora um importante trabalho ao, por meio das cores, dos enquadramentos e de uma paleta com mais ou menos saturação, estabelecer a diferença nos mundos de Duca e Eduardo. Se, quando acompanhamos a storyline do paulistano, os enquadramentos são mais fechados, apostando em cores de tons mais frios, como o branco, o azul e o cinza, a história do carioca Duca é sempre vista sob enquadramentos mais abertos, aproveitando os belos cenários da capital fluminense, e sempre com cores de tons mais quentes, ilustrando sua personalidade mais vibrante. Não à toa, seu primeiro encontro com Bárbara no aeroporto, quando Eduardo ainda está ‘no controle’, se dá em um plano aberto e (des)colorido por tonalidades melancólicas, onde ela, vestida de uma coelha rosa, oferece-lhe um balão vermelho, quase como lhe convidando para conhecer um novo estilo de vida e uma outra ótica para os elementos que o cercam.

Ademais, o que se tem é uma doce história de amor, despretensiosa e divertida. A premissa pouco original – qualquer 'cinéfilo médio' já viu algo igual ou parecido em vários outros filmes - e o roteiro esquemático não chegam a abalar significativamente o resultado final, construído cuidadosamente dentro dos pouco mais de 90 minutos de projeção. Com desfecho previsível e mensagem excessivamente 'mastigada' para o grande público, “Desculpe o Transtorno” provavelmente não é uma obra que mudará sua vida, mas talvez mude a de Tomás Portella, que, aqui, conseguiu levar seu talento como diretor a um patamar diferenciado.

Publicado pelo autor no Cinema com Rapadura.

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