top of page
Thiago César

O Homem nas Trevas (2016), de Fede Alvarez


Filmes de terror brotam no cinema em uma velocidade incrível, mas a grande maioria deles não atinge um nível de qualidade satisfatório para o público e quanto menos para a crítica, conformando-se com roteiros preguiçosos e uma narrativa padronizada, muitas vezes resumindo-se a meros sustos fáceis e previsíveis.

Entretanto, em meio ao desgaste do estilo nos últimos anos, algumas das mais recentes produções do gênero têm revelado uma nova safra de talentosos cineastas que levam o terror a sério, trabalhando de maneira elaborada os elementos que compõe sua atmosfera. Os melhores exemplos disso são o intrigante "A Corrente do Mal" (2014), de David Robert Mitchell, o macabro "A Bruxa" (2015), de Robert Eggers, e o intenso "Invocação do Mal" (2013), de James Wan, que já se encaminha para uma grande franquia.

Fede Alvarez entra para esta selecionada lista com seu segundo longa, "O Homem nas Trevas". O diretor, apadrinhado por uma das lendas vivas do gênero, Sam Raimi, estreou na direção de longas com nada menos do que o remake/sequência de 2013 do clássico de Raimi, "Uma Noite Alucinante" (1981). Mostrando de imediato seu flerte com a quebra de limites, Alvarez não apenas investe no horror gráfico como também trabalha o suspense de modo digno.

A premissa é simples e perspicaz, fisgando o interesse do espectador desde o início pelas diversas possibilidades que fornece. Nela, um grupo de três jovens, almejando um futuro melhor fora da pacata cidade em que vivem, decidem realizar uma série de assaltos em casas da região para bancar sua viagem apenas de ida para a Califórnia. Em sua rotina de invasões domiciliares, Rocky, Alex e Money – interpretados respectivamente por Jane Levy, Dylan Minnete e Daniel Zovatto – descobrem um bairro abandonado onde vive apenas um veterano de guerra (Stephen Lang) que teria ganho uma grande indenização pela morte de sua filha em um acidente de carro. Mesmo cientes da deficiência visual do ex-militar, os três adolescentes decidem realizar o roubo como seu último, devido ao grande valor da fortuna.

Em um recorte certeiro do primeiro ato, somos apresentados brevemente aos personagens e suas motivações. O roteiro de Alvarez e Rodo Sayagues se preocupa em contextualizar a realidade dos protagonistas o suficiente para que o público não os julgue pelos atos criminosos, mas não o bastante para impedir que conheçamos mais sobre eles no desenrolar da trama. As atitudes aqui falam mais do que diálogos expositivos ou ferramentas burocráticas como flashbacks. Apesar do contexto, o foco é a situação.

Lang está formidável como personagem-título. Invoca no espectador sentimentos ambíguos, que variam da empatia à repulsa. Seu personagem é misterioso, vulnerável e amedrontador ao mesmo tempo. Isso constrói uma interessante subtrama de moralidade entre o “Homem Cego” e os jovens invasores, como uma balança que pende para um lado e para o outro até achar o ponto de equilíbrio em uma reviravolta que dá novo peso à narrativa.

Este jogo de gato e rato é um prato cheio para a ritmada montagem de Eric L. Beason, Gardner Gould e Louise Ford – este último, tendo trabalhado no já citado "A Bruxa". O trio de editores está em sintonia perfeita ao gerar tensão em determinados cortes, dando abertura para o suspense em sequências maiores e utilizando câmeras lentas em pontos-chave da trama.

O design de som é um personagem à parte. Utilizado com desdém na maioria das produções do gênero, onde a música incidental e os jump scares saturam as trilhas de áudio em uma procura desesperada e ineficaz por tensão, aqui é usado com responsabilidade e parcimônia, valorizando o silêncio não apenas como elemento de suspense, mas integrado à realidade diegética. Os personagens precisam ser extracautelosos ao se movimentar pela casa, pois o Cego a conhece como ninguém e é sensível a qualquer ruído.

O design de produção de Naaman Marshall casado com a fotografia de Pedro Luque, veterano no gênero de terror, permitem assertividade na ambientação. Assim como o som, a casa também pode ser entendida como personagem, uma vez que influi diretamente no comportamento, nas escolhas e nas emoções dos personagens, imprimindo sua presença a cada nova situação com as quais eles se deparam. As várias portas e esconderijos dão uma ideia de grandeza e ao mesmo tempo geram uma sensação claustrofóbica, como um labirinto, um jogo de plataforma em três dimensões. Os planos abertos de Luque colocam o espectador dentro do espaço narrativo, contrastando com seus closes muitas vezes acompanhados de zoom em momentos de maior drama ou suspense.

"O Homem nas Trevas" é um filme que entretém o público e revigora o gênero. Fede Alvarez mostra versatilidade ao criar situações inusitadas que levam espectador e personagem serem um só. Isso é feito de maneira tal que até cogitamos se a regra hollywoodiana do “final feliz” realmente será quebrada. A impressão que fica é de que ninguém está a salvo e tudo pode acontecer, pois a final de contas, é um filme onde não há mocinhos.

Publicado pelo autor no Cinemaginando.

bottom of page