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  • Arthur Gadelha

Mate-me Por Favor (2015), de Anita Rocha da Silveira


O cinema brasileiro vive um momento político admirável, não somente por estar produzindo filmes com um debate abertamente politizado, mas principalmente por ganhar destaque de público. Diante esse crescente, parece “inviável” olhar para um cinema tão denso quanto “Mate-me Por Favor”, filho do cinema de gênero (destaque comum no mercado estrangeiro). O que há de mais admirável no longa de estreia (brilhante) da cineasta carioca Anita Rocha da Silveira é que há uma consciência muito clara diante a obra – seu espaço consegue dividir corajosamente seu peso narrativo com o espaço político.

Flertando diretamente com o suspense, Anita reformula algumas questões. Traz para a mesma balança relacionamentos adolescentes (e tudo que lhe envolve, no maior estilo "Malhação"), suspense psicológico, terror e até mesmo uma breve discussão política. Bia (Valentina Herszage) está inserida em um universo rotineiro, tendo que lidar exclusivamente com seus estudos e seu namorado. Distante disso, Anita apresenta um traço peculiar: Bia tem interesse por morte – por mais que isso ora lhe assombre, ora lhe acalme. Morte, sangue, violência, sensação de perigo. Ela parece estar atrás de algum conceito que abrace isso. “De certo modo a Bia quer morrer. De certo modo ela também quer matar”, disse Anita em entrevista para a Trip.

Para dar forma dramática ao que molda sua protagonista, a trama explora uma onda de assassinatos a mulheres que vêm acontecendo constantemente e assustando a todos na região. Bia, evidentemente, têm um (acanhado) grau de interesse que ultrapassa a curiosidade. Fica muito claro que, de alguma forma, Bia quer se envolver. E é exatamente isso que torna “Mate-me Por Favor” um filme rico em essência; não há pudor em seu pensamento, sequer em sua vontade de ser livre para isso. Seus traços do suspense e até mesmo do horror estão nessa abordagem ora sutil, ora brusca. A formação da consciência da Bia é muito corajosa ao alarmar a transição entre seu envolvimento com o medo e a reação ao que lhe parece comum – nesse último núcleo, exagera ao caricaturar parte do núcleo adolescente. Há cenas de impacto muito objetivas contornadas de um intenso realismo (parte pela química entre as amigas) e cenas metafóricas brilhantes em execução.

Identificando-se cada vez mais como uma personalização de moldes do gênero, o longa chega ao ponto de trazer situações idênticas – como a existência oculta de um assassino que se esconde durante todo o filme. Mas, ao invés de usá-lo como uma justificativa do mistério, contorna seus significados e seu foco vai muito além. Acusando, inclusive, a comodidade do espectador que acreditava estar montando uma conclusão.

Por mais que demore muito tempo, o último plano de “Mate-me Por Favor” deixa muito claro o motivo de acompanharmos aquela história – e ele pode ser imensamente frustrante para muitos. Estamos diante uma garota que, dentro de seu universo de libertação, está atrás de sentir, mesmo que isso signifique aproximar-se da tragédia. Sua relação com essa ausência se torna cada vez mais complexa expandindo a construção até mesmo à exploração da cidade e marginalização das mulheres. Todas essas questões cabem na mente macabra de Anita Rocha da Silveira. E isso é genial.

Publicado pelo autor no Quarto Ato.

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